quinta-feira, 1 de março de 2012

Que a Saúde se difunda sobre a Terra - Beto Volpe - fev 2012

A CNBB foi muito feliz ao adotar a defesa da saúde pública para a Campanha da Fraternidade 2012, que leva como tema o título deste texto e é extraído da Bíblia em Eclesiástico 38.8. Se tem algo que a Igreja não compreende, tanto quanto os miseráveis clientes do SUS, é o Brasil investir apenas 3,24% do PIB em Saúde ao passo que países com bons sistemas aplicam em média 6,7%. Coerentemente defende a 'EC 29 como alternativa para enfrentar essa problemática'. Assim como foi certeira ao afirmar que a conversão desse Sistema 'pede que as estruturas de morte sejam transformadas'. Estruturas de morte, referência e contra referência.
Leia texto na integra:

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Dicas para prevenir abuso sexual contra crianças e adultos com deficiência intelectual e outros tipos de deficiência

Dicas para prevenir abuso sexual contra crianças e adultos com deficiência intelectual e outros tipos de deficiência


Acompanho as notícias com relação à síndrome de Down e tenho notado um aumento no número de casos de abuso sexual envolvendo homens, mulheres, jovens e crianças com Down. Quero crer que o número de histórias vem aumentando porque as pessoas estão denunciando mais do que no passado, já que certamente esse problema sempre existiu. Ao invés de continuarmos tratando o tema como tabu, devemos discuti-lo e trabalhar intensamente para evitar que nossas crianças, adolescentes e adultos se tornem vítimas. Além disso, devemos denunciar estas práticas pois, sem estatísticas, é como se elas não acontecessem. É nosso dever zelar pela segurança e pelos direitos de nossos filhos.

A australiana Sam Paior, mãe de um garoto com síndome de Down e a Dra Freda Briggs, especialista reconhecida na prevenção ao abuso, listaram uma série de dicas para alertar às famílias com crianças pequenas ou pessoas com deficiência intelectual ou outros tipos de deficiência ou vulnerabilidade com o objetivo de prevenir a ocorrência de abuso sexual.

Segundo Sam, é melhor confrontar a situação e admitir que esse problema poderá afetar muitos de nós do que esconder a cabeça na terra como um avestruz. Temos que reconhecer que este é um problema que poderá afetar muitos de nós.

Não arquive essas sugestões e deixem para ler depois. Leia agora, reflita sobre cada um dos conselhos. Estimativas mostram que até 90% de mulheres e meninas com deficiência intelectual será abusada sexualmente, e até 50% dos homens. Adicione a isso o fato de que os sites de pedófilos freqüentemente mencionam especificamente crianças com síndrome de Down como ótimos alvos por causa de sua “vontade de agradar”.

Precisamos estar atentos, e educar nossos filhos e a nós mesmos.

As informações que dizem respeito a figuras religiosas também são difíceis de ouvir, mas não as desconsidere. Apesar de que gostaríamos de pensar que alguém da igreja estivesse fazendo a coisa certa, a experiência mostra o contrário. Muitos destes delinquentes se escondem dentro da igreja para garantir sua autoridade e para que nós, os pais, tenhamos a confiança deles.

Dissemine essas informações ao maior número de pessoas possível.

Patricia Almeida



Dicas para prevenir abuso sexual contra crianças e adultos com deficiência intelectual

1. Comece cedo: Introduza vocabulário correto para vagina e pênis para que as crianças possam informar claramente se alguém tem algum mau comportamento sexual.

2. Com crianças em idade pré-escolar e aqueles com atraso de desenvolvimento, use o livro “Todo mundo tem bumbum” (Everyone’s got a bottom) disponível na internet.

3. Introduza o conceito de privacidade do corpo – ninguém pode fazer cócegas ou brincar com as partes íntimas do seu corpo – “É o meu corpo” (mas você pode tocá-lo quando estiver em um lugar privado). Explique, conforme necessário, que se tocar pode ser prazeroso.

4. Para previnir que as pessoas sejam usadas para sexo oral, inclua a boca como uma parte íntima e deixe claro que ninguém tem permissão para colocar qualquer coisa “nojenta” e “fedorenta” ou qualquer parte do corpo em sua boca (discuta higiene oral).

5. Deixe claro que se alguém quebra as regras sobre privacidade do corpo, a criança precisa avisar a você porque isso não é permitido. As crianças gostam de regras.

6. Ajude-os a discriminar onde podem tocar e onde é ERRADO. Você precisa ensinar como são os toques errados. Não fale sobre toques ruins porque os toques podem fazê-la sentir-se bem.

7. Ensine-os a dar um passo mantendo os braços estendidos à frente e dizendo (em voz bem alta) -”Não! Pare com isso! Isso não é permitido” e ficar longe de alguém que toca num lugar errado. Pratique dizer “Não” assertivamente.

8. Não ensine-os a dizer: ‘Eu vou contar “, porque isso pode resultar em ameaças.

9. Pratique distinguir segredos que devem ser mantidos e segredos que devem ser contados. Crianças e adultos com deficiência intelectual pensam que podem contar segredos bons, mas devem manter para si os segredos ruins porque eles fazem as pessoas ficarem tristes.

10. Ensine o funcionamento básico do corpo.

11. Como o abuso sexual tem a ver com poder, descubra como você pode empoderar seus filhos e filhas. Incentive-os a se vestirem, fazerem a higiene, irem ao banheiro e comerem com independência. (Sim, pode ser mais fácil e rápido fazer as coisas para eles, mas não ajuda a auto-estima)

12. Dê-lhes oportunidades de fazer escolhas.

13. Aprenda e pratique as normas de segurança com água, eletricidade, fogo, remédios, drogas, trânsito e pessoas. Identifique situações potencialmente inseguras. Ensine e pratique como obter ajuda quando necessário, como usar o telefone e escolher a quem recorrer com segurança, por exemplo procurar uma mulher com filhos num shopping, etc.

14. Desenvolva e pratique a resolução de problemas. “Qual seria a melhor coisa a fazer se …..”, “Vamos supor que …”, “Você consegue pensar em algo mais seguro?

15. Desenvolva habilidades que os faça ser capazes de fazer relatos precisos: crianças e pessoas com deficiência intelectual vítimas de abuso podem só sugerir alguma coisa, mas pensar que estão relatando. Se você não corresponder, elas podem sentir-se impotentes e sem esperança.

16. Desenvolva a auto-estima: Elogie o esforço – enfatize o que eles fazem bem e fale sobre o que eles gostariam de fazer.

17. Encoraje a expressão de sentimentos: o que o torna triste, feliz, assustado, preocupado.

18. Tenha em mente que, se eles não recebem afeto físico, aprovação e atenção, eles se tornam mais vulneráveis aos predadores.

19. Desenvolva suas habilidades sociais conforme necessário: manter o próprio espaço, contato olho no olho, saber o próprio nome, endereço e número de telefone.

20. Ensine sobre os seus direitos e pratique que sejam firmes, sem cometer agressões.



Desafios para os pais e cuidadores:



Crianças e jovens com deficiência podem:

1. Já ter aprendido a obedecer passivamente adultos, especialmente os cuidadores/professores/ profissionais.

2. Ter desenvolvido imagem do corpo ruim e conceitos como manter o próprio espaço.

3. Não ter nenhum conhecimento dos seus direitos.

4. Já ter sido abusados sexualmente ou ter adquirido conhecimento equivocado sobre sexualidade.

5. Ter poucas oportunidades para a independência.

6. Ter sentimentos de vergonha e baixa auto-estima que aumentam a vulnerabilidade aos abusadores.

7. Ter cuidadores / trabalhadores de apoio super-protetores que fazem de tudo para eles, impedindo-os de ter oportunidades para se afirmar e ganhar independência.

8. Crianças e pessoas com deficiências de desenvolvimento não necessariamente entendem o que é um estranho (ao passo que estranhos tentam conhecer bem suas vítimas) – refira-se a situações potencialmente perigosas ao invés de pessoas perigosas.

9. Jovens e crianças com deficiência de aprendizagem tendem a aprender respondendo bem à dramatização com bonecos, bem como treinar situações de forma prática. Eles precisam de constante repetição e reforço.

10. Pessoas com deficiência intelectual acham difícil transferir informações de uma situação para outras, por exemplo se a escola ensiná-los a ir para um lugar seguro em situações difíceis, eles podem entender que existam lugares seguros como a solução para todos os problemas potenciais, tais como estar no ônibus errado ou se perder em um show. Isso quer dizer que elas precisam praticar bastante em diferentes cenários.

11. A comunicação deve ser clara. Use frases curtas e simples. Evitar “ou isso ou aquilo” e frases que podem ser respondidas com sim / não. A informação deve ser quebrada em pequenos segmentos. Não dê dicas vagas. Crianças e pessoas com deficiência intelectual provavelmente não associarão “Está tudo bem?” ou “Ele te tocou?” com o abuso sexual.

12. Use imagens de toques inapropriados, especialmente para crianças surdas.

13. Com pessoas que não falam, consulte um fonoaudiólogo para usar vocabulário sobre sexualidade em forma de símbolos e fotos.

14. Aqueles com deficiência visual severa podem precisar de ajuda extra para desenvolver consciência corporal. Use bonecos com as partes íntimas anatomicamente corretas para uma sensação mais realista.

15. Crianças com deficiências físicas graves precisam de um foco sobre a independência em relação à higiene, confiança estima, auto-identificação e toques errados quando são ajudadas nos cuidados pessoais.

16. Proporcionar oportunidades de fazer escolhas as próprias escolhas.

17. As escolas sozinhas não podem prevenir o abuso de acontecer, mas quando ele é identificado permitem que as vítimas obtenham ajuda rapidamente para parar o abuso e se sentirem bem consigo mesmas. O abuso de longa duração é o que causa o maior dano.



Criminosos sexuais



* Podem ser encontrados onde quer que haja pessoas vulneráveis.

* Adulam os adultos responsáveis pela segurança das crianças, bem como as próprias crianças.

* Escolhem como alvo mães solteiras, ganham sua confiança, fornecendo serviços gratuitos de que elas precisem e as tratam com respeito.

* Apresentam-se como cidadãos modelo criando uma rede de apoiadores para que, quando o abuso for revelado, ninguém acredite … mesmo depois de terem sido condenados

* Tornam-se muito populares entre os alvos em potencial, os sinais de alarme devem soar quando um adulto se envolve em jogo imaturo, no mesmo nível da criança. Páre as cócegas antes de entrar debaixo da roupa. Não ignore o seu sentimento de desconforto – intervenha e interrompa o contato mesmo se essa pessoa for popular com seu filho

* Respondem às necessidades emocionais das crianças proporcionando-lhes atenção, elogios, presentes, fazendo com que se sintam especiais e amadas. Os criminosos sabem que as crianças toleram o abuso para manter os benefícios da relação.

* Eles começam com carinhos, beijos e abraços. Depois introduzem a conversa sobre sexo, pornografia, (para dessensibilizar a criança e normalizar o abuso) acariciam as genitais de seu filho e depois praticam sexo oral – “Agora é minha vez, você já se divertiu”

* Aqueles que detém posições de autoridade podem não precisar usar métodos de adulação, alguns padres dizem ter usado filhos dos mais dedicados freqüentadores da igreja sabendo que, se o abuso fosse descoberto, os pais iriam procurar um bispo, não a polícia

Abuso de irmãos e de jovens menores é mais difundido e mais prejudicial do que a maioria das pessoas imagina. Quando externado, deve ser levado a sério e aconselhamento deve ser procurado para todos os interessados, independentemente da idade do agressor.

Figuras paternas e namorados da mãe apresentam um risco maior para crianças do que pais naturais. Em alguns casos, eles escolhem a mãe para ter acesso a seus filhos.

A maioria dos infratores é do sexo masculino. A segunda característica é que eles são frequentemente religiosos / autoritários.

Sabemos muito menos sobre os infratoras do sexo feminino. Cerca de 20% dos homens dizem que foram abusados por mulheres, mas eles não consideraram como abuso, pois “não doeu”.

As mulheres podem ser tão agressivas e usar os mesmos métodos de adulação que os homens. Há menos vítimas, mas os efeitos à longo prazo podem ser tão prejudiciais quanto o abuso masculino.

Por Sam Paior e Dra. Freda Briggs
Tradução – Patricia Almeida

DE QUEM É A DEFICIÊNCIA, AFINAL? por Beto Volpe - 21/11/2011


Descrição da imagem: três medalhas olímpicas sobre pano vermelho

O Brasil acaba de se consagrar campeão antecipado dos Jogos Para Pan Americanos de Guadalajara, com direito a recorde de medalhas e tudo. Atletas dos mais diversos cantos do país, com as mais diversas deficiências e com o mesmo perfil vencedor, pessoas que transformaram um desafio aparentemente intransponível em uma história de superação que tem a cor do bronze, da prata e do ouro.

Você sabia disso? Talvez não, neste momento, são 23 horas de sábado, não há menção ao fato tanto na primeira página quanto na seção de esportes do maior site de informações do Brasil. Notícias fugidias de tão breves são dadas em alguns telejornais, enquanto a emissora detentora dos direitos nem a um boletim diário abre espaço em sua programação abençoada pelo deus de Edir.

Não é a primeira vez que isso acontece, claro. Mas depois de tanto avançar, de termos tido uma protagonista com deficiência em horário nobre, espera-se alguma evolução na forma de pensar dos empresários de comunicação e seus patrocinadores. Ano passado, na estréia do BBB, Pedro Bial saudava os participantes como 'heróis que terão que superar um árduo caminho até a vitória”' No mesmo dia, sem destaque algum da mídia, o Brasil ficava em terceiro lugar no Campeonato Mundial de Para Atletismo na Nova Zelândia, atrás apenas de China e Rússia.

Aí cabe uma reflexão: de quem é a deficiência, afinal? De pessoas que superaram uma suposta limitação física, intelectual ou sensorial ao ponto de representar seu país com o brilho de muitos metais? De pessoas que além disso tiveram que lutar contra a falta de apoio e patrocínio, contra o descrédito que vinha até das pessoas mais queridas? Ou de um país que continua a renegar seus verdadeiros pilares morais e se entrega à vulgaridade do consumo rápido e fácil? Um país onde muita gente sente vergonha de ser honesta e outro tanto não sente vergonha nenhuma em não sê-la. Um país onde a mídia e as corporações deitam e rolam nos lucros e demonstram um grande exemplo de deficiência ética e patriótica ao tornar invisível participação brasileira tão brilhante e que encheria de orgulho qualquer nação socialmente desenvolvida.

De quem é a deficiência, afinal?

Parabéns, para atletas panamericanos!
Parabéns, para atletas de todo o país e de todo o mundo!!
Beto Volpe

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Novo texto no BLOG INFOATIVO.DEFNET - As sexualidades não são "deficientes" - agosto/2011

Convite para os amigos e amigas, leitores e leitoras
Novo texto no BLOG INFOATIVO.DEFNET
As Sexualidades não são "deficientes" -


Sobre direitos sexuais e reprodutivos de pessoas com deficiência

Hoje revi e repensei sobre o filme Nascido em 04 de Julho (1989). Nesse mesmo momento a Bolsa de Nova York nos diz que o mundo hipercapitalista reconhece seu próprio risco econômico. Rebaixam o Império ao mesmo nível que rebaixaram o México que aparece no filme de Oliver Stone. Lá estão as mulheres mexicanas, prostituidas, que podem resgatar a virilidade perdida pelo personagem vivido por Tom Cruise, "paralítico", impotente e veterano de guerra. Uma mulher, representada no filme com o nome Maria Helena, protagoniza uma das melhores cenas, quando o faz descobrir que, apesar de sua paraplegia, há muito que sentir quando a sensibilidade e o desejo se cruzam em um encontro sexual. Para além de todas as repressões e impotências.

LEIAM E COMENTEM O TEXTO NA ÍNTEGRA EM:
http://infoativodefnet.blogspot.com/2011/08/as-sexualidades-nao-sao-deficientes.html

A DIVERSIDADE SINALIZANDO O DESCONHECIDO - Lilia Pinto Martis - Agosto/2011

A DIVERSIDADE SINALIZANDO O DESCONHECIDO
Lilia Pinto Martins

Li recentemente, no Portal RAC, do maior grupo de mídia impressa do Interior de São Paulo, reportagem de nossa amiga Katia Fonseca, jornalista e Presidente do CVI-Campinas. A matéria, do dia 25 de julho, trazia como título “Casal com Nanismo Gera Criança Sem Problema Físico”.
Recolho da reportagem aqueles trechos que considero mais significativos para conhecer a história do casal e, neste contexto, lançar algumas questões que me parecem instigantes.
A começar, pela introdução da própria reportagem: “A ciência garante que é possível, mas a maioria duvida: pessoas pequenas (1) podem gerar filhos que terão estatura padrão”.
E continua: “Fabíola Dreher Guimarães e Fernando Vieira Guimarães são a prova viva disso. O casal, que mora em Campinas, deu à luz, nesta segunda-feira (25), Lívia, uma bebê com saúde e que não terá problema de crescimento”....
“Fabíola tem 21 anos e mede 1,20m. Fernando tem 28 anos e mede 1,35m. Eles se conheceram há cerca de três anos, pela internet ..... Em maio de 2009, eles se viram pela primeira vez, ´numa balada de pequenos`, em São Paulo. Começaram a namorar e, em um ano, estavam casados”....
“Nenhum dos dois nasceu em Campinas. Ela é.... do Paraná, e ele nasceu na capital paulistana ... e vieram para Campinas por diferentes razões: Fabíola em busca de melhores oportunidades de estudo e trabalho .... e Fernando atrás de Fabíola. ´Me apaixonei por ela`, confessa”.
“Fabíola ficou grávida sem planejar .... No entanto, filhos sempre estiveram nos planos de ambos”.....
“Nos três primeiros meses, Fabíola passou muito mal por causa dos enjoos. Mas nada que não seja esperado da maioria das gestações ... Depois, teve uma gravidez tranqüila”.....
“Fabíola e Fernando preferiam ter gerado um bebê como eles – que se tornasse também um pequeno. ´Os médicos torciam para que nossa filha tivesse estatura padrão e achavam que a gente torcia pra isso também`, conta o pai. Ambos estão ainda em suspenso a respeito de como será criar uma criança grande .... ´No começo, eu estava pirando com o fato do bebê não ser um pequeno, confessa Fernando... A mamãe ainda não sabe como vai agir e se sentir frente à doce Lívia que acaba de nascer. Mas sabe o que quer para o futuro de sua bebê....”.
Uma reportagem sensível, apresentando a narrativa de simples fatos que cercam nosso cotidiano, estimula-nos a ir além dos fatos, procurando ângulos não antevistos. Desse modo, fui instigada a examinar dois aspectos da reportagem que me chamaram a atenção de imediato.
Em primeiro lugar, fica patente o afeto e o cuidado que ambos inspiram um para com o outro, cercando a relação de uma “liga” muito peculiar chamada enamoramento. Nada de muito particular, já que esta “liga”, ou melhor “vínculo afetivo”, é parte intrínseca das relações humanas.
Mas o que dizer, vindo de pessoas tradicionalmente tratadas como “bobos da corte”, e vivendo apenas em função do divertimento e do prazer que despertam nos outros? Como imaginar, pensariam alguns, que neste “mundo dos pequenos” (2) existiria algo além daquilo para o que estes “pequenos” estão destinados, ou seja, ser pretexto de piada para espetáculos circenses ou programas humorísticos? Nada mais reducionista que um pensamento desta natureza, revelando o quanto dentro de nossa “humanidade” podemos ser perversos, estigmatizando pessoas e confinando-as em padrões de existência muito aquém de sua condição humana.
Felizmente, a realidade, sinalizando fatos como o da reportagem, confirma uma convicção que sempre tivemos, e que mostra como a diferença que cerca os humanos entre si, não lhes retira a humanidade, conferindo-lhes os mesmos anseios e desejos que acompanham os seres humanos em geral, desde que o mundo é mundo. E por uma razão muito simples: somos pessoas, acima de qualquer diferença.
Um segundo ponto a focalizar: tanto Fabíola, quanto Fernando mantinham a expectativa de ter um filho também “pequeno”, mostrando-se surpresos ao tomar conhecimento do contrário, por não saberem como seria lidar com uma criança “grande”, ou seja, com uma filha que terá padrões de estatura diferenciados dos padrões de ambos. E mal leio este trecho da reportagem me vem a pergunta: curioso, a expectativa do casal não deveria ser o inverso da que experimentaram, ou seja, ter um filho com uma estatura padrão, que o identificaria dentro dos padrões sociais da normalidade? Não é sempre a expectativa pela “normalidade” que se coloca frente a situações novas, profundamente investidas de emoções e sentimentos, como é o nascimento de um filho? E não é exatamente o contrário que se verifica, isto é, a “normalidade” da filha causando dúvidas e estranheza ao jovem casal? Como é desejar que se repita no filho uma condição de “diferença”, que em lugar de trazer seu significado intrínseco de individuação, é normalmente tratada e representada como minusvalia? Que força misteriosa é esta, atraindo para o que é “igual”, mesmo quando o igual significa a diferença? Sim, porque o caso em questão é exemplar para apontar este paradoxo, quando a condição de diferença dos pais é vivenciada como “normalidade”, a ponto de suscitar neles a expectativa por um filho igual dentro da diferença que os identifica. E para surpresa geral, a condição de “normalidade” da filha causa estranheza exatamente pela diferença que apresenta em relação aos pais.
Este questionamento leva a supor que, em princípio, somos guiados pelo desejo por um mundo que não tenhamos que ser defrontados com a diversidade, condição que não deixa de ser aprisionante, mas que sem dúvida fala de sentimentos e desejos bem primitivos. Tenho a impressão que, de fato, estar frente à diversidade, com tudo o que isto representa, é dar-se conta de um outro, que sendo diferente de nós, suscita dúvidas, angustias e conflitos, por fugir a nosso desejo de ter este outro como espelho de nós mesmos, continuando a ilusão de que somos o centro do mundo. Nada nos assusta mais do que o desconhecido e o inesperado, que rompe com esta ilusão, retirando-nos do “paraíso” e reavivando ameaças muito primitivas, tanto de nosso passado pré-histórico, quanto de nosso psiquismo primário, formado por fantasias insconscientes que nos acompanham em nosso desenvolvimento humano.
Lidar com a diferença, trazendo o desconhecido e o inesperado, será sempre uma situação desafiante, frente, talvez, a uma escolha alternativa e preferencial que não apresente conflitos a primeira vista. Esta pode ser uma das razões porque é tão usual colocar alguns segmentos que representam a diversidade, fora dos padrões humanos e sociais. Mas nada tão ilusório quanto negar o conflito em quaisquer perspectivas das relações humanas, conflito, a meu ver, origem, não só de litígios intransponíveis, como também de processos estruturantes para relações mais humanizadas e oxigenadas, exatamente, pela presença da diversidade dentro do tecido social.
(1) Denominação adotada pelo casal entrevistado
(2) Adoto a denominação utilizada na reportagem, seguindo a opção do casal entrevistado.

Assinatura_Lilia_menor