" Como é que é?!? " : coluna de Beto Volpe

Nesta página você encontrará textos de Beto Volpe:
Soropositivo para o vírus HIV há 21 anos. Mobilidade reduzida pela AIDS há 14. 
Infectado pela solidariedade há 11.
luiz_volpe@uol.com.br

A familia cresceu -maio de 2011
Artigo publicado na edição de hoje do jornal 'A Tribuna do Litoral Paulista' acompanhando reportagem sobre a decisão do STF. Apesar das alianças terem oxidado nesses anos todos, acho que ainda cabem em um par de dedos calejados..
Descrição da imagem: duas alianças nas cores do arco íris entrelaçadas.
“É como dizer: se o corpo se divide em partes, tanto quanto a alma se divide em princípios, o Direito só tem uma coisa a fazer: tutelar a voluntária mescla de tais partes e princípios numa amorosa unidade. Que termina sendo a própria simbiose do corpo e da alma de pessoas que apenas desejam conciliar pelo modo mais solto e orgânico possível sua dualidade personativa em um sólido conjunto, experimentando aquela nirvânica aritmética amorosa que Jean-Paul Sartre sintetizou na fórmula de que: na matemática do amor, um mais um... é igual a um”
Feliz o país que tem um ministro do Supremo Tribunal Federal que resgata a cidadania de milhões de brasileiros e brasileiras citando Sartre, Jung e Chico Xavier em seu voto.. O relator Senhor Ayres Britto nos deu a certeza da vitória já no início da sessão desta quinta feira e que se confirmou histórica pela unanimidade e por fundamentos como os expostos acima. O reconhecimento da união homo afetiva como ‘família’ resgata mais de cem direitos humanos que eram restritos à população heterossexual. E é um significativo passo rumo ao fim do preconceito e da discriminação que ainda vitima cruelmente tantos homossexuais, tantas lésbicas e travestis em nosso país.
Religiosos e bolsonaros de todo o país estão se revirando nas trevas em que vivem e proclamam o fim da família e da sociedade como a conhecemos. Fala-se muito da luta pelos direitos dos heterossexuais e que existe uma ditadura gay que ameaça, inclusive, nossas crianças com cartilhas nos colégios. Por mais repugnantes que sejam seus argumentos, essas pessoas são bem vindas, pois nos alertam que a vigilância constante é o preço da liberdade, como a própria Bíblia Sagrada diz. Sabemos que comportamentos não mudam com a simples adequação jurídica. A sociedade irá acompanhar a Lei na medida em que for mais esclarecida e sensível à convivência com o diferente.
Não é por acaso que o arco íris simboliza a luta pelos direitos da diversidade sexual. Ele é a prova natural, ou Divina, de que as diferenças, quando em sintonia, produzem resultados espetaculares. Para que isso se torne realidade, bem vinda seja essa vitória no STF que demonstrou em manchetes para todos os leitores, ouvintes e telespectadores do Brasil que somos uma população digna de respeito, pois que somos humanos e humanas como todos e todas os demais. E que não somos uma ameaça para a família convencional. Pelo contrário, acabamos de ser reconhecidos como família também. A família brasileira cresceu em sua diversidade. E na diversidade todos têm a ganhar.
Viva a Constituição! Viva a Família! Viva o Amor! Viva a Vida!
Beto Volpe
Homossexual, ativista e consultor em Direitos Humanos


O PULSO AINDA PULSA - 18 de abril de 2011

Ontem pela manhã, mal refeito da maratona Reatech, a maior feira de equipamentos e tecnologias inclusivas para pessoas com deficiência da América Latina, recebi uma péssima notícia pelo Facebook: um amigo de Sampa teria seu pé amputado. Como? Semana passada havíamos comemorado sua última sessão de quimioterapia para combater um câncer que ainda não se sabe de onde veio e as perspectivas eram as melhores! Pois uma trombose decorrente do tratamento havia obstruído as finas artérias do pé e não seria possível preservá-lo. E meu amigo, matriculado no serviço público de tratamento em AIDS, na oncologia de um renomado hospital, agora está pensando em como encarar mais esse desafio de paciência e perseverança que é uma reabilitação para minimizar os impactos de uma deficiência física. Um tanto angustiado, subi a serra logo após o almoço e após uma pequena espera fui autorizado a entrar na UTI, onde finalmente cheguei a seu leito. Muito magro, fios por todo lado (brincamos sobre sua noção de conectividade), o pé em questão coberto pelo lençol e.... O brilho no olhar! Ele estava lá, ainda que um pouco ofuscado por uma situação extrema para qualquer ser humano, mas estava lá. E era o brilho de uma pessoa que, cortejada pela Morte, insiste em sua relação com a Vida.  Isso acalmou meu coração uma barbaridade, o princípio ativo estava mais ativo que nunca e a conversa transcorreu em clima de resignação e otimismo. Mas na hora da despedida não conseguimos evitar uma troca de olhares mais turvos, preocupados com o que virá amanhã. 
Voltei para casa bastante abatido, fazia muito tempo que uma situação alheia não me atingia tão duramente  Nem tanto pelo episódio de meu amigo, tenho certeza que ele irá superar isso tudo de forma gloriosa. Mas onde iremos parar? Os cortejos mortais têm sido cada vez mais assertivos e qualquer hora dessas não será possível resistir. Por mais que os nervos sejam de aço, a carne é fraca. Primeiro foram as oportunistas, que ceifaram muita gente querida. Aí veio a lipodistrofia, mostrando no espelho que a ameaça ainda estava por perto. Danos ósseos, problemas cardiovasculares, hepáticos, renais, tumores, hanseníase, alterações metabólicas, deficiência e demência. Dentro de pouco tempo nosso prontuário médico mais parecerá a letra de Arnaldo Antunes, da qual pincei o título deste desabafo. Música que, apesar de elencar tudo que é doença, enfatiza que o pulso ainda pulsa. E enquanto houver pulso, há Vida. 




Qual é a sua, doutor?
Por Beto Volpe

Uma vez mais pipocam  alertas de falta de medicamentos do coquetel em várias regiões do país, comprometendo a vida das pessoas com HIV. Uma vez mais o governo federal emite uma nota técnica recomendando sua substituição para adequar o tratamento de milhares de pessoas às sempre surpreendentes necessidades do Estado. Uma vez mais a resposta da sociedade civil organizada é burocratizada por lideranças mais preocupadas com o formato do que com a essência da luta. E, uma vez mais, o diretor do Departamento Nacional de DST, Aids e Hepatites Virais surpreende e diz que ‘"falar isso (que a falta de medicamentos teria virado rotina) de um programa que distribui 20 remédios para pacientes de todo o País é quase uma provocação."

Beto Volpe vive com HIV e é fundador do Grupo Hipupiara
publicado na Agencia Aids - março 2011
www.agenciaaids.com.br

Alto astral demais para morrer



(descrição da imagem: Beto está em uma linda praia em São Vicente e, apesar das nuvens pesadas e escuras, empunha sua bengala e um guarda sol cheio de alegria e esperança)
Como vive o homem que contraiu Aids há 22 anos, passou por 19 cirurgias
e virou um arquivo vivo de combate à doença.
Antonio Carlos Prado - 
Revista Isto É de 19 FEV 2011

Conheci Luiz Alberto Volpe numa escaldante tarde de segunda-feira na cidade de São Vicente, no litoral sul de São Paulo. Feitas as devidas apresentações na varanda de sua casa, ele foi à cozinha buscar-nos água e café. Eu permaneci na sala, surpreso e já lhe pressentindo o bom humor, com um vidro hermeticamente fechado que ele depositara em minhas mãos. Da cozinha vinha a sua voz:– O que é isso que está dentro do vidro, mergulhado em álcool?– Um osso da perna, respondi.– Está indo bem. – De que parte da perna?– Joelho. É a rótula.– Errou. Outra chance.– Tornozelo. – Errou de novo.– Sei lá de onde é esse osso.Volpe veio para a sala, seu andar dificultado pela descalcificação óssea e uma hérnia de abdômen, copos e xícaras nas mãos, um sorriso largo na boca. Logo ficou sério e na seriedade pareceu envelhecer. Ele explicou: “Esse osso é a cabeça do meu fêmur esquerdo que apodreceu e foi retirada cirurgicamente. Esse osso é a minha bandeira de luta atual. Tenho Aids há 22 anos, a ciência hoje conhece e controla o HIV, mas só agora começa a pesquisar a infinidade de doenças associadas a ele, inclusive as enfermidades ósseas que vêm ao longo do tempo. Eu me dedico a essas pesquisas.” Volpe, um leonino de 49 anos nascido em São Vicente, parece que tem 30 quando canta com gostosa afinação baladas em inglês, quando tenta dançar com as pernas cambaias ou conta piadas das quais ele mesmo ri muito; perde essa juvenilidade e ganha ares sombrios, no entanto, quando se trata de falar, não da Aids que há mais de duas décadas se hospeda em seu corpo já marcado por 19 cirurgias, mas, isso sim, dos novos caminhos de pesquisa: “Temos base para afirmar que diversos cânceres também podem estar associados à Aids ou a efeitos adversos da medicação.” Aí ele sobe o tom e adverte: “Mas não é para ninguém parar de tomar o coquetel antirretroviral. Quanto antes tomá-lo é maior a chance de longa sobrevida, e aos poucos a medicina vai cuidando de tudo.” Fato é fato, e se Volpe adverte é para os soropositivos o acatarem porque ele ensina de cátedra: segundo infectologistas, ele é uma das “raras amostras vivas” da evolução do tratamento, e isso se deve à sua coragem de se apresentar como voluntário às terapias. Deve-se também à sua alegria, ao seu extremo alto-astral e à união que fez da fé com a ciência: “Vi muita gente morrer porque entregou tudo na mão de Deus, vi muita gente morrer porque só acreditava no remédio e não em Deus. Tem-se de juntar as duas pontas.” Contemporâneo do cantor e compositor Cazuza na descoberta de ser portador do HIV (Cazuza morreu em 1990), Volpe lembra como contraiu o vírus e o momento em que se deparou com a “demolidora expressão positivo” no exame laboratorial. “É aquela coisa. A relação de namoro, ainda que seja de risco, chega a um ponto em que um dos parceiros fala: vamos nos relacionar só um pouco sem camisinha. Foi nesse momento”, diz ele. No final de 1989 fez o teste e soube que a morte nele fizera morada.

"Essa ursa de pelúcia me dá sorte.
Eu a levo em todas as minhas internações."
(descrição da imagem: Beto sentado na cama, sorrindo e cercado de pelúcias segurando uma ursa e seu filhotinho)
Depressão? Não. Muita cocaína cheirada? Sim. “Se a morte lhe sorrir, seja educado e retribua o sorriso. Quanto à droga, eu a usava para curtir o que eu julgava ser o último momento de vida”, diz esse ex-bancário, aposentado por doença da Caixa Econômica Federal (recebe R$ 2,2 mil por mês). O primeiro da família a saber foi seu irmão, Paulo Roberto Volpe, e a confidência se deu entre lágrimas na praia. Na se­quência, em casa, a mesma casa onde 22 anos depois ele ainda vive, seus pais receberam a notícia. A mãe, Aida, chorou. O pai, Geraldo, apoiou o ombro no batente de uma das portas e fechou questão: “Vamos planejar como viver o maior tempo possível.”
Foi o que Volpe fez. Na época recomendava-se geleia, ele se entupiu de geleia. Depois, meses antes do anúncio oficial do coquetel, a ele já se submetia: “35 comprimidos ao dia, 1.050 ao mês” (hoje toma três dada a evolução da medicação e estabilização da carga viral). Mas não estacionou aí seu pioneirismo. Em decorrência do HIV, a distribuição de gordura é reordenada e o rosto fica “chupado”, enquanto o abdômen cresce. “Eu queria ficar bonito”, diz Volpe. Não adiantava o silicone porque ele adere justamente à gordura e gordura lá não havia. Como “cobaia”, submeteu-se a implantes de uma substância (politilmetachilato) que adere ao músculo. Tudo certo, “as bochechas voltaram”. Em meio a isso, vieram o suicídio do irmão, uma constelação de linfomas (medula, pescoço, pulmões, fígado, baço e virilhas), “apodrecimento dos ossos”, quase duas dezenas de cirurgias, candidíase que tomou todo o esôfago e o estômago (“fiquei verde por dentro), vieram quatro diagnósticos de paciente terminal. Numa ocasião, ele bateu boca com médicos e exigiu cirurgia de hemorroidas. Graças a essa operação descobriu um câncer no reto, operou e ficou bom: “Se eu não pensasse na minha sexualidade, talvez estivesse morto.”E vieram também as lutas ganhas na Justiça por remédios de graça, veio a fundação da ONG Hipupiara (monstro marinho imaginário morto em São Vicente no século XVI), vieram prêmios, reconhecimento internacional e formação de grupos inter-religiosos (de um deles participa o médico Anivaldo Padilha, pai do ministro da Saúde, Alexandre Padilha). Quando o irmão se matou, ele fez “um pacto com o HIV: espere meus pais morrerem para me matar porque eles não suportarão enterrar dois filhos”. O que falta vir, então, na sua vida, Volpe? A resposta é imediata: primeiro, Humprey Bogart sarar. Trata-se de seu poodle que pegou a “doença do carrapato”. Depois, “falta um namorado. Estou há cinco anos sem amor e há dois anos sem relação sexual. Namorei muito com Aids, sempre com camisinha. A sexualidade é a mãe da vida. A minha libido é a minha energia de viver”.



Alguns bichos são mais iguais que outros - Beto Volpe - fev 2011- Artigo escrito em março de 2009, ainda atualíssimo, baseado na obra ‘A Revolução dos Bichos’ de George Orwell.
“Lembro-vos também de que na luta contra o Homem não devemos ser como ele. Mesmo quando o tenhais derrotado, evitai-lhe os vícios. Animal nenhum deve morar em casas, nem dormir em camas, nem usar roupas, nem beber álcool, nem fumar, nem tocar em dinheiro, nem comerciar. Todos os hábitos do Homem são maus. E, principalmente, jamais um animal deverá tiranizar outros animais. Fortes ou fracos, espertos ou simplórios, somos todos irmãos. Todos os animais são iguais.”George Orwell. Leia texto completo .Clique aqui

MUITO ALÉM DO EDREDON - 31/01/2011: Brasil 2016: o país sede das Olimpíadas firma-se como uma das três maiores potências mundiais no quadro de medalhas. Sonho? Talvez nos Jogos convencionais, mas nos Para Olímpicos é o mínimo que se pode esperar, ao menos do atletismo. O Brasil encerrou neste final de semana sua participação nos Jogos Mundiais da modalidade na Nova Zelândia, atrás somente de China e Rússia e superando potências como Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos.  É de encher de orgulho todos os brasileiros e brasileiras. Mas o heróico feito passou quase desapercebido pela mídia, ela estava muito ocupada com outras disputas. Recentemente o jornalista Pedro Bial referiu-se aos participantes da última edição do Big Brother Brasil como “heróis que terão que superar um árduo caminho até a vitória”. Será que ele ouviu falar de André Oliveira? O atleta de prata do salto em distância teve uma lesão gravíssima do joelho quando praticava a modalidade, acreditando ter encerrado sua carreira esportiva. Claro, aconteceu tudo ao contrário, ele recebeu um convite para continuar a pratica do esporte e hoje se revela uma das grandes esperanças de medalhas nos Jogos Para Olímpicos.Será que ele conhece a velocista deficiente visual Terezinha que, além de garantir três medalhas de ouro para seu país, deu uma lição de humildade e companheirismo ao quebrar o protocolo da competição e subir ao pódio junto a seu atleta guia, dividindo com este seu ouro uma vez que somente o atleta principal recebe medalhas? Comportamento típico de qualquer grande irmão. É, Bial. O tal zoológico humano não contempla nosso mundo. Aliás, a maioria dos brasileiros e brasileiras só se enxerga nos participantes por serem eles o sonho de consumo da atualidade: ser burro, bonito e com dinheiro nO bolso. Nem que para isso precise apunhalar seu aliado ali mesmo, embaixo do edredon.

Nossos heróis não têm a forma física baseada no retângulo áureo e nem são exemplos da beleza de fácil consumo. São pessoas de origem muito humilde, de trajetória extremamente complexa e que mantém o espírito de solidariedade mesmo em competição, pois sabem que o importante é competir. É, Bial, nossos heróis são diferentes dos seus. Os nossos heróis são os mais legítimos representantes de um povo que ainda vive baseado em regras de exclusão. E que dão ao mundo um exemplo de sucesso com luta e honradez, muito além do edredon.
Parabéns aos e às participantes do Campeonato Mundial de Atletismo.
Parabéns à heróica delegação brasileira pela participação!
Parabéns a todos e todas que abominam BBB.
Beto Volpe


06/12: Segue resposta que enviei há pouco para o blog do Luis Nassif,http://www.brasilianasorg.com.br/blog/luisnassif/o-mito-da-mortalidade-em-aids#comment-290569 onde o artigo sobre mortalidade foi repercutido. Lamentáveis algumas posições, mas é assim que se constrói, no fim das contas. "Os debates sobre mortalidade em AIDS vêm sendo muito mais assustadores do que a própria morte, pois revelam a face mais dolorosa da doença: os preconceitos e o descaso com nossa situação. Como assim, devemos levantar as mãos aos céus e agradecer? Claro, faço isso todos os dias, mas é só isso? Vamos continuar a ver nossos amigos e amigas desenvolvendo problemas tão fatais quanto a AIDS? E AIDÉTIDO, com todo o respeito: é a mãe! Essa palavra foi banida há mais de dez anos. E no caso de pessoas que lêem jornais e colaboram em blogs, é DISCRIMINAÇÃO. Que bom que pessoas vivendo com HIV estão podendo ir a outros enterros que não os seus. Ou a leitora Márcia discorda? Assusta também o simplismo que (evidentemente) gestores e médicos assumem quando se trata de nossa mortalidade. Há onze anos os efeitos colaterais são pautas centrais nas atividades da ONG da qual faço parte e sempre nos deparamos com falta de dados. E quando eles saem, mesmo que elaborados por uma Instituição de renome nacional e coordenados por um médico idem, são simplesmente desconsideradas. Chega! Não se sabe se essa situação é causada pelo longo tempo com o vírus, se é pela toxicidade dos medicamentos ou o conjunto da obra. O fato é que, se continuarmos nas mãos de pessoas como alguns colaboradores deste blog escreveram, estamos fritos. Que venha a cura, por favor! Não agüentamos mais viver com o vírus, com os efeitos do tratamento e muito menos com posicionamentos de 'técnicos abelhudos e ignorantes' que afrontam qualquer resquício de dignidade do ser humano.

Finalizo com Saramago: "Somos a memória que temos e a responsabilidade que assumimos. Sem memória não existimos e sem responsabilidade talvez não mereçamos existir.” Beto Volpe 

Cai o mito da mortalidade em Aids - Artigo publicado terça-feira, 30 de novembro de 2010  - Folha de São PauloContrastando com números oficiais, somos cada vez mais soropositivos vitimados por causas não incluídas nesse balanço, tais como infartos.
Algo está errado na mortalidade em Aids no Brasil. Contrastando com os números oficiais, somos cada vez mais soropositivos vitimados por causas não incluídas nesse balanço, que vão desde infartos até cânceres. Gritamos isso há anos por meio de manifestações, de cobranças em espaços de articulação e de nossa voz sempre perdida no mundo tecnocrático.
Recentes estudos demonstram que a percepção das pessoas vivendo com HIV antecede a epidemiologia. E que a integralidade do SUS ainda é um sonho distante, pois muitas vezes somos tratados como um punhado de vírus, e não um complexo conjunto de valores, sentimentos e necessidades.
Enfim, vai-se o mito da queda da mortalidade em Aids. E agora?
Quando o coquetel apareceu, em 1996, respiramos aliviados: o pesadelo havia se transformado em um sonho de perspectivas. Voltamos a esperar da vida o melhor. Não durou muito, e a realidade bateu literalmente à nossa cara com a violência da lipodistrofia, efeito colateral de nova geração.
Desde então, começamos a questionar a situação, e a resposta era sempre a mesma: "Falar em efeito colateral prejudica o tratamento". Aí nossos ossos começaram a apodrecer; pâncreas e corações, a dar sinais de exaustão; e nosso corpo começou a se voltar contra nós mesmos por cânceres em circunstâncias inéditas.
Estávamos novamente com medo, e nem assim tivemos um olhar mais cuidadoso para nossos gritos. O pesadelo havia retornado.
Agora, um estudo da UFRJ e outro apresentado em Viena comprovam que estamos morrendo mais de outros fatores do que de Aids.
O número de óbitos por problemas no coração, rins, diabetes e cânceres subiu 8% ao ano entre pessoas com HIV e menos de 3% entre soronegativos. Com relação aos problemas cardíacos, são 8% contra só 0,3%. Em outras palavras, cai por terra o simplismo de que estaríamos apenas envelhecendo.
Sim, nossos espelhos e prontuários já sabem disso há tempos, mas estamos envelhecendo mais rapidamente.
E o que confere características de pesadelo a essa realidade é que o SUS não está preparado para atender à integralidade exigida. Se 33% são identificados como pacientes sob alto risco de acidentes cardiovasculares, 66% não estão tratando seus fatores.
"Estamos começando a conhecer os efeitos do vírus e dos remédios a longo prazo. Agora, precisamos nos adaptar a isso." O que o infectologista dr. Esper Kallas, da USP, revela é a situação que atravessamos há muito tempo, negligenciada tanto pelo governo como pela sociedade civil, que poderia ter feito muito mais sobre o assunto.
Se o Brasil replica os dados do hospital da UFRJ, onde as mortes por outras complicações superam as por Aids, seriam mais de 11 mil mortes anuais não contabilizadas.
Como reagiremos a esses novos dados? Quantas mortes serão necessárias para acordar o mundo para a verdadeira realidade das pessoas com HIV? Porque estamos fartos da falsa realidade. Cansamos de ver nossos amigos e amigas morrendo na invisibilidade. Com a palavra, a estratégia brasileira de luta contra a Aids. --------------------------------------------------------------------------------
LUIZ ALBERTO SIMÕES VOLPE, o Beto Volpe, ex-representante do Brasil na Rede Latino-Americana de Pessoas com HIV/Aids, é fundador e consultor da ONG Hipupiara, que atua na prevenção e apoio aos portadores de HIV/Aids.


OSSO DURO DE ROER - 19/11/2010
Quem me conhece um pouco sabe que também sou chamado como ‘aquele maluco de bengala que anda com o osso dele num vidro pra cima e pra baixo’. Sabe também que esse osso, uma cabeça de fêmur, foi extirpado de meu corpo em um processo que teve início em 2000, com o surgimento de fortes dores musculares na perna direita e o diagnóstico de osteonecrose, morte óssea em grego. Bem, talvez seja uma estratégia da Morte: já que ela não consegue me levar de vez, vai à prestação. Mas a minha não queria apenas levar uma parte de mim, queria me fazer sofrer, também. E veio acompanhada de outro diagnóstico, de osteoporose avançada, fechado em uma fratura de fêmur durante uma caminhada. À parte as ironias que hoje consigo fazer sobre tão doloroso e limitante processo, o fato é que desde então a luta pelo reconhecimento dos efeitos colaterais passou a ser um ponto central em minha atuação como ativista, mas as respostas eram sempre as mesmas: ‘Não há evidências disso’, ‘Não se sabe se é do vírus ou do coquetel’, ou a minha preferida: ‘Não devemos falar de efeitos colaterais, vai prejudicar a adesão...’
E nessa invisibilidade as dores foram se tornando insuportáveis até que minha cabeça de fêmur apodreceu de vez e nasceu o ‘Osso Volpe’, de tão integrado que ainda continua a mim. Ele foi substituído por uma prótese em 2002, mas antes da cirurgia gritou que sairia de meu corpo, mas que entraria para a história. E assim o foi, a bandeira agora tinha cara, e que cara! Um osso em um vidro com álcool passou a ser escancarado em isoladas ou improvisadas manifestações em congressos, reuniões da sociedade civil e, ainda assim, nada. O movimento social não absorveu essa bandeira da forma como deveria, mesmo com muitas de suas lideranças apresentando problemas inéditos para seus médicos há muito tempo. Sem números e sem mobilização, resultado negativo, prejuízo na certa. E a conseqüência, finalmente, apareceu em estudo do Instituto de Ortopedia e Traumatologia da USP demonstrando que 17% de soropositivos desenvolvem algum tipo de complicação óssea, normalmente osteoporose e osteonecrose. Bingo!
Mancos e cadeirantes proliferam em nossos serviços de assistência, quando o acesso lhes é facultado, mas ainda são ignorados pelas políticas públicas. Pior, quantos deles tiveram chances de ter um diagnóstico precoce, do qual tanto se fala em AIDS? Ainda existe um grande desconhecimento do tema por parte do SUS, do impaciente ao gestor, do infectologista ao ortopedista, retardando diagnósticos, elevando a venda de antiinflamatórios e levando pessoas com HIV a situações de deficiência, muitas vezes evitáveis. Fóruns e seminários foram realizados, estratégias traçadas, o tema de deficiências foi inserido no Congresso de Prevenção deste ano de forma transversal, mas ainda é muito pouco. Na prática, ainda vivemos em uma grande era das trevas, onde historicamente se joga a responsabilidade para baixo do grande tapete da falta de dados e do imobilismo, tanto por parte da gestão quanto pela sociedade civil. Recentemente, na Assembléia Nacional das Pastorais da AIDS, o novo diretor do Departamento Nacional de DST/AIDS e Hepatites Virais lamentou a acomodação da sociedade civil, que estaria ‘meio apagada’.
Seja bem vindo, doutor Greco.
Aceita um café?
Beto Volpe  (o artigo foi publicado no dia 19 de novembro no jornal 'A Tribuna do Litoral Paulista")


 ERA UMA VEZ, ALÉM DO ARCO ÍRIS... 07 de set de 2010
... um garoto que percebeu que não era igual aos outros. Seus desejos desde cedo já haviam se manifestado com os amiguinhos e na primeira aula de natação ficou claro que o vestiário seria muito mais do que um lugar para se banhar e trocar de roupas. O problema é que essa criança cresceu ouvindo as chacotas sobre a ‘bicha louca’ do bairro, vendo os programas humorísticos ridicularizarem sua condição. E o pior de tudo, seu desejo era pecado e toda vez que ia à missa podia sentir os olhares acusadores de todos os santos, sinalizando o caminho do Inferno. Mas o desejo era forte demais e, também desde cedo, a opção estava feita: ser feliz. No fundo, essa é a única opção dada a qualquer pessoa de qualquer orientação sexual, ser ou não ser feliz. Eis a questão.
Foi muito estranho quando papai me levou ao vestiário do clube pela primeira vez e eu percebi, aos sete anos de idade, que aquele ambiente seria muito divertido, um dia. Um desejo estranho aflorou, desejo esse que aumentava a cada assídua aula de natação que meu ingênuo pai acreditava ser puro espírito esportivo. Alguns familiares e vizinhos passaram a fazer parte da brincadeira e desde muito jovem eu sabia que era diferente daquilo que era aceito. Todas as referências de pessoas iguais a mim eram negativas e o caminho era um só: o ridículo e a danação. Ser feliz escondido, esse era meu destino. Eu não sabia que tantos cientistas, artistas e guerreiros, personagens da história que eu acabara de aprender na escola eram iguais a mim. Mas sabia que vivia em um país onde a homofobia era a regra e eu era a exceção. A primeira exclusão a gente nunca esquece.
Mas nesse conto de bruxas, pois as fadas são reservadas para os ‘normais’, desgraça pouca é bobagem. A história fica estranha mesmo quando o antagônico se manifesta e o homossexual adquire ou desenvolve alguma deficiência. No meu caso uma mobilidade reduzida que me obriga a usar bengalas há catorze anos. Lembro de um filme onde o filho critica o pai octogenário por ele não usar bengalas, ao que o pai retruca que não irá usar para continuar ‘pegando’ mulheres. E o vovô ta certo, se você quiser reduzir a quantidade de parceiros, sonho de alguns epidemiologistas e gestores, é só usar algum acessório daqueles que não desfilam na Fashion Week. A cabeça do pessoal entra em parafuso, como uma pessoa pode ser detentora de dois estigmas tão fortes e controversos? Ou ele é deficiente e assexuado ou é gay e promíscuo. Um assexuado promíscuo não faz sentido! E assim, dois preconceitos entram em sintonia, não importando o quão antagônicos sejam. O importante é excluir.
Triste vida daquele gay que vivia muito longe, além do arco íris. Aquele cuja deficiência tornou-se castigo na opinião de muitos, uma vez sabida sua orientação sexual. ‘Pois é, o Senhor castiga.’ A exclusão é tamanha que agravos em saúde são quase conseqüências naturais e o HIV, um novo estigma a somar naquela existência de desafios. Desafios que podem ser, porque sempre o são, o ponto de partida para a conquista de um final feliz chamado CIDADANIA. Minha história não foi necessariamente nessa ordem, mas o fato é que tantas exclusões foram o grande motivo para minha inclusão. Para a epidemiologia eu sou um HxHcDHIV+UD. Na linguagem do preconceito, que justifica tanta sigla junta, uma bicha aleijada, aidética e drogada. Para uma correção política, um homossexual com mobilidade reduzida que vive com HIV e é usuário de drogas. Porque ficar careta nessas condições é quase tão difícil quanto as chances de achar um final feliz além do arco íris. Imagem do site Medieval Legends: Arco íris tendo ao final uma pequena árvore, um reluzente pote de ouro e um coelho dormindo a seu lado.

PELO DIREITO À CURA! 27/07/2010
A vuvuzela brilhou no país da valsa, depois de roubar a cena na terra do samba. Lá, como cá, ela confirmou aos governos e às agências internacionais que acertaram em cheio na escolha dos temas. ‘Viver Direitos’, no recente Congresso de Prevenção em Brasília, e ‘Direitos Aqui e Agora’, na recém realizada Conferência Internacional de AIDS em Viena, demonstraram uma grande sintonia entre a estratégia brasileira e os objetivos mundiais no enfrentamento è epidemia e que grandes avanços foram feitos, mas ainda falta muito para suprir o básico. Porém, uma vez mais, a virologista Françoise Barré-Sinoussi se destacou ao coordenar uma discussão especial durante a Conferência de Viena, voltando os holofotes para um campo de pesquisas desprezado depois da descoberta do coquetel: a Cura da AIDS. Um Santo Graal esquecido até mesmo pela maioria de nós, por maior que seja nosso desejo de que em um belo dia tudo isso acabe.
Desde que Sinoussi e a equipe de Luc Montagnier isolaram o HIV nos primórdios dos tempos, muito se avançou na ciência e nas ações de enfrentamento à epidemia. No início era o caos, pois até nossos médicos possuíam grandes interrogações em seus olhares. Uma descoberta terapêutica aqui, uma ONG acolá e uma fundamental bandeira: O MUNDO TEM PRESSA NA CURA DA AIDS! Não era possível para a humanidade conviver com uma enfermidade tão sorrateira e cruel que ameaçava não somente aos então rotulados grupos de risco, mas à estabilidade econômica mundial. Era uma bandeira única, todos tinham pressa na cura da AIDS porque ela assustava todo o mundo, desde quem vivia com HIV até as mais altas instâncias das Nações Unidas.
“AIDS: um mundo, uma esperança”. Esse era o lema da Conferência de Vancouver em 1996, demonstrando o desejo de que tudo tivesse fim. Não era à toa, os números daquela época foram os mais negativos até hoje, as internações eram feitas em corredores e recepções dos hospitais e as perspectivas não eram das mais otimistas. Então: FIAT LUX! O mundo foi apresentado a uma estratégia de combate ao HIV, o coquetel, que se mostrava eficaz e aparentemente segura. Parecia o fim da terceira guerra mundial, tamanho o regozijo entre todos nós. E, festejando o fim do pesadelo, passamos a lutar pelo acesso a tal maravilha, a aprofundar questões relacionadas aos direitos humanos e... Esquecemos da cura. E não fomos somente nós, por outros motivos os laboratórios e os investidores também deixaram de lado a solução definitiva e passaram a destinar recursos para o controle da doença, muito lucrativa. Já não havia tanta pressa assim. Afinal, a AIDS tinha se tornado crônica.
Li a frase em 2008 pela primeira vez nesta década, em uma apresentação de teatro da Rede de Pessoas com HIV de Jundiaí, Ao final da peça era descerrada uma faixa com o que surpreendeu a todos por ser o óbvio: O MUNDO TEM PRESSA NA CURA DA AIDS, Como pudemos esquecer disso? Desde então alguns ativistas tornaram essa uma bandeira prioritária de luta e manifestações foram feitas nesse sentido, como no Congresso da Sociedade Brasileira de Infectologia em Goiânia. Agora vem Viena, traz à luz da sociedade algumas promissoras perspectivas nesse sentido e parece que o mundo lembrou, também, que a humanidade não pode conviver com a AIDS, ainda mais com a crescente complexidade que ela vem apresentando. O que falta, para variar, é dinheiro e falta de vontade corporativa. Que avancem as pesquisas em tratamentos, mas que se volte a investir maciçamente em pesquisas para que seja garantido nosso maior direito: o Direito à Cura da AIDS!
Soem as vuvuzelas!!! Tenho AIDS, tenho pressa! A CURA me interessa!
Beto Volpe

PRO DIA NASCER FELIZ - Julho
Não foi nada fácil ver o poeta morrer, vinte anos atrás. Especialmente para aqueles que estavam no mesmo barco, navegando os ainda desconhecidos mares da nova doença. Éramos aqueles que haviam embarcado como clandestinos e estavam condenados a assim viver, exceto ele. Ele já havia saído em capas de revistas, por vezes tão sensacionalistas. Ele tinha uma família com recursos diversos, tratamentos nos Estados Unidos e até sangue de cavalo disseram que ele havia experimentado. Se havia um alguém que testaria algo que daria certo, era ele. E ele se foi, levando um pouco da parca esperança que nos amparava. Mas ele levou consigo também a idéia de que éramos mortos vivos, mostrando ao mundo que as pessoas que vivem com HIV também carregam consigo todo o amor que houver nesta vida.
Havia alguns anos que o HIV me rondava, fosse ao se apossar da vida de grandes amigos ou no remorso instantâneo durante uma noitada em algum parque público. Foi durante essa época, quando morava em Sampa, que fui apresentado a Cazuza em um show do Barão Vermelho no Radar Tantã. Mais uma dose, é claro que eu tô a fim. No mesmo show também conheci um repórter platinado que futuramente engrossaria as estatísticas e as notícias sobre os famosos da AIDS. O vírus chegava cada vez mais perto. Até que o amor, meu grande amor apareceu e entre um e outro segredo de liquidificador a camisinha sumiu de cena e o meu tesão virou risco de vida.
A surpresa (surpresa?) do diagnóstico, a tristeza da revelação à família, a rudeza das perícias iniciais no INSS, a dureza de uma vida sem horizontes, tudo ia criando uma estranha zona de conforto, bastante desconfortável porém eficaz. Se os recursos eram parcos, a esperança era enorme e Cazuza tinha muito a ver com essa esperança. De suas viagens aos melhores centros médicos do mundo sempre vinha um reforço para nossas energias. Ainda estavam rolando os dados. E apesar de já haver perdido, a essa altura, vários amigos por conta da síndrome, sempre mantinha inabalável a certeza de que algo seria descoberto e daria fim ao pesadelo de nos sentirmos cobaias de Deus.
Até que aos sete de julho de 1990 ele encerrou sua temporada terrena. Foi muito difícil ver a tênue linha que nos ligava à Vida sumir assim de forma repentina, por mais que esperada. Se um imortal se foi, o que nos restava, pobres mortais? Muitos, como eu, tivemos nossas mentes turvas por esse pensamento e os excessos nos pareceram a melhor saída nessa hora. Cem gramas, sem grana. Por que é que a gente é assim? Tantos se foram nesse trem pras estrelas, mas outros ficaram para viver a vida, louca vida com HIV.
Mas sua morte física, assim como a de todos os imortais, fez com que suas idéias perpetuassem. E Cazuza, como nenhum outro, nos convenceu de que o céu, realmente, faz tudo ficar infinito e que a solidão é pretensão de quem fica escondido, fazendo fita. E mostrou que a felicidade, mais que possível, é imperativa para as pessoas que vivem com HIV. Se estamos, meu bem, por um triz, é melhor fazer o dia nascer feliz. Porque o mundo é um moinho. Beto Volpe
Descrição da imagem: caricatura do cantor Cazuza, em branco e preto, sentado , segurando um microfone. Caricatura de Douglas Vieira (Dodo) . http://www.dodocaricaturas.blogspot.com/

ADMIRÁVEL MUNDO VELHO Julho
Está atrasado quem pensa que o mundo está mudando. Ele já mudou. É outro, completamente diferente, com tantas inovações que sequer imaginávamos desfrutar. Quem é de minha época lembra que somente o Capitão Kirk e a tripulação da Enterprise usavam telefones portáteis do tamanho da palma de suas mãos. O desejo Divino de união da raça humana teve um grande reforço com a rede mundial de computadores e todos os benefícios dela advindos. Mas algumas coisas parecem não mudar ou as mudanças estão acontecendo em ritmo muito mais lento do que a ciência. A vulnerabilidade da mulher nas relações afetivas é uma das mais tristes constatações de que vivemos um admirável mundo velho. Um mundo onde os avanços tecnológicos nos permitem ter a real noção do quanto ainda guardamos dos tempos da barbárie.
Os noticiários do país não conseguem mudar de pauta. São Eloás, Mércias e Elizas que diariamente inundam nossas vidas de tristeza e, a despeito dos valores envolvidos, encontraram no amor um cruel caminho para seu fim. Cruel porque esse caminho teve a traição e a violência como principais características, seja ao mantê-las confinadas em um apartamento sob a mira de um revólver, seja covardemente lançando o carro em uma represa, seja ardilosamente propondo um acordo para uma suposta paternidade. E a morte trágica e solitária como destino comum.
Não há como negar que mudanças aconteceram no âmbito social. Maria da Penha mostrou o caminho e hoje muitas mulheres se valem de diversos recursos para que seus direitos como seres humanos sejam respeitados por quem vive ou viveu a seu lado. A livre manifestação de pensamentos continua sendo a maior aliada para a expansão e garantia desses direitos, mas algo mais mudou. O TER parece ter vencido a batalha contra o SER. Não importa o que eu seja, importa ter meus desejos satisfeitos. E se o outro estiver no caminho deles, é natural que eu passe por cima desse outro da forma como for mais conveniente para mim. Eu tenho uma namorada. Eu tenho mulher e filhos. Eu tenho. E já que tudo me pertence, é meu direito dispor e descartar quando eu bem entender. E assim convivemos com situações que, de tão terríveis, nos parecem saídas de um filme de terror classe B, muito diferentes das perspectivas anunciadas pela série Jornada nas Estrelas. A diferença é que estamos dentro da tela e não mais na platéia. E, mesmo fazendo parte da produção, não estamos conseguindo mudar o final desse filme. Um filme que, de tantas vezes visto, passa perigosamente a fazer parte de nossa rotina. Assim como as viagens espaciais os telefones celulares, a internet e outras maravilhas de um mundo novo ainda nada admirável. Beto Volpe
Descrição da imagem: mulher sentada no chão de uma calçada, com os braços ao redor das pernas, cabeça abaixada, cabelo cobrindo todo o rosto, foto em branco e preto.


DIFERENTES VOZES - Reflexões de Beto Volpe sobre o Seminário "Ações e reflexões sobre aids e deficiência: diferentes vozes" - 25 de junho
Lamentavelmente um compromisso inadiável me furtou o prazer de participar integralmente do seminário Ações e Reflexões sobre AIDS e Deficiências – Diferentes Vozes. Senti como se a tarde desta quinta feira me tivesse sido furtada, tamanho o prazer de ter participado de mais uma ação de sucesso da ONG Amankay, nome da flor favorita de Pachamac, deus inca da Vida. Nada mais apropriado. A Amankay, através do conhecimento, experiência e dedicação de Marta Gil, Nanda Sodelli e Mina Regen, novamente demonstrou alto nível de profissionalismo e profunda sensibilidade na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, na defesa da Vida. Assim como a flor favorita de Pachamac.
As instalações da APAE em Sampa e a receptividade de seus funcionários foram o ponto de partida para o desfile de situações que, mesmo a quem há muito milita na causa, sempre traz uma novidade, um ponto de vista que não havia sido percebido, uma realidade que sai das sombras para mudar a história. Diferentes vozes, iguais anseios. Os profissionais que lá estiveram tiveram suas perspectivas mudadas e as pessoas com deficiências a certeza de que estamos vivendo outros tempos. Apesar de tudo. Recepcionadas pela emocionada Mestra de Cerimônias Marta de Almeida Gil, as representações do poder público foram bastante esclarecedoras sobre suas propostas e ações, apesar de algumas não terem resistido e trazido um pouco do palanque político para o auditório. Enfim, situações mais que esperadas em um ano eleitoral.
E, de repente, Doutora Izabel Maior faz um strip-tease de sua alma. Foi de emocionar, e muito, ver seus amigos e suas amigas de longa data surpreendendo-se com o desnudar de uma vida dedicada à superação e à transformação. A arte de fazer das dificuldades sua fonte de energia. Outros depoimentos aconteceram, mesas técnicas contundentes e muito bem conduzidas por seus palestrantes. Tudo isso sinalizando o mesmo ponto: a relação entre AIDS e deficiências é imperativa para as ações governamentais e da sociedade civil organizada, pois que é determinante na qualidade de vida do cidadão e da cidadã. Como a mesa ‘Coisas de Mulher’ bem esclareceu. Beatriz Pacheco, como é bom te ver, te ouvir e te ter no coração.
Após tantos risos e lágrimas, tapas e beijos, um belo buffet de sopas no hotel onde estávamos hospedados e, direto para o segundo dia. Minha principal tarefa: passar o cerimonial para a próxima MC: Bia Paiva. A mesma que no Congresso de Prevenção em AIDS havia passado um verdadeiro pito em sua aula sobre acessibilidade nas apresentações técnicas para pessoas com deficiência intelectual. E tive o prazer de homenagear minha querida amiga através de minha primeira apresentação acessível, com áudio descrição e tudo! E não doeu, então vou procurar repetir a fórmula sempre! E Bia pegou as rédeas do evento chamando uma das mesas mais interessantes, a da Voz da Informação. Palavras e ações do Disk Aids, da Agência de Notícias da AIDS, da Rede Mulher com Deficiências. Realmente, esse é o caminho. Diferentes vozes, diferentes mídias.
E para mim foi o fim. Foi o fim da picada não poder ter continuado até o final. Ter saboreado um pouco mais daquele coquetel de diferenças e afinidades, um caldo freddo ao estilo de nove semanas e meia de amor. Ter me fortalecido ainda mais ao atestar a crescente pro atividade dos jovens da Carpe Diem, Mariana, Thiago e Beatriz. Ter reencontrado pessoas queridas e conhecido outras tantas que já me fizeram antever tantas experiências em comum. Obrigado uma vez mais à Amankay e a todos os parceiros que possibilitaram mais essa experiência divina. Digna do Deus da Vida Pachamac. E sua flor favorita.

POR QUE SAÍMOS? PORQUE TÁ FALTANDO O NOSSO REMÉDIO !!! 20/06/2010
A definição de democracia é o direito à livre expressão por um indivíduo ou um coletivo. É ter a liberdade de ir e vir. É ter a certeza de que o ser humano é tratado com respeito. Mas democracia, para ser plena, interdepende de outros fatores. Uma democracia não se constrói com seres humanos constantemente preocupados com o seu direito à vida. A democracia também não pode ser efetivada se o direito de se retirar de um congresso em sinal de protesto não for respeitado. Uma democracia não é plena se o nosso direito de resposta à pior crise de desabastecimento de medicamentos contra o HIV for interpretado como um ato desrespeitoso.
‘Os manifestantes foram autoritários e antidemocráticos’. Assim foi classificada a retirada de grande parte dos 3.500 presentes à mesa de abertura do Congresso de Prevenção em AIDS e Congresso de Hepatites Virais, realizado na ultima semana em Brasília. Após ter interrompido a fala do Sr. Ministro da Saúde José Gomes Temporão, a sociedade civil em AIDS retirou-se do auditório carregando consigo grande parte dos presentes no setor central, deixando um vácuo para o qual o ministro falou. Isso tudo ao lado de uma Ministra de Estado e de um representante da ONU que, incrédulos, constatavam que havia sérios problemas na resposta brasileira à epidemia. Mas Temporão, malandramente e político que é, não hesitou em lançar a isca por alguns mordida: ‘eles não me deram o direito de resposta’.
Vamos lembrar o ocorrido: o ministro chega à tribuna para iniciar seu discurso. Súbito, uma vuvuzela, já tão irritante nas transmissões via satélite, irrompe amplificada pelo auditório seguida pela palavra de ordem TÁ FALTANDO O MEU REMÉDIO! E de todo lado, tal qual uma infecção, saíram ativistas indignados apitando, gritando, vuvuzelando e mostrando ao mundo o tamanho da angústia que vivem as pessoas com HIV. Uma vez frente ao palco e ao ministro as palavras de ordem continuaram sendo repetidas e foi proferida a dura e emocionada fala contra o desabastecimento, seguida da criticada retirada do auditório.
Agora, vamos imaginar o cenário que seguiria caso não nos retirássemos e voltássemos a nossos lugares: o ministro, como já dito um político de mão cheia, naturalmente iria fazer a defesa da gestão e provavelmente diria que a situação já estava normalizada desde abril, como dito posteriormente pelo Departamento de DST/AIDS e Hepatites Virais, o que é uma tremenda inverdade uma vez que esse episódio só foi normalizado no início deste mês. O que faríamos? Aplaudiríamos? Aceitaríamos calados? Ou ficaríamos indignados e nos levantaríamos protestando e exigindo a verdade? Não tenho dúvidas que boa parte dos ativistas presentes, incluindo este que escreve estas linhas, reagiria com a terceira opção e, aí sim, a mesa de abertura seria transformada em um grande e indesejável barraco.
‘Eles não me deram o direito de resposta’. Ora, senhor ministro, não cabia ao senhor o direito de resposta. Era o NOSSO momento de dar uma resposta ao desrespeito com que as pessoas que vivem com HIV vêm sendo tratadas pela gestão da assistência farmacêutica no Brasil. Era o NOSSO momento de dizer que para Viver Direitos é preciso VIVER DIREITO, sem a angustia de não saber se sua vida será respeitada. Como nos obscuros tempos da ditadura militar, tempos esses que não queremos vivenciar jamais. Mesmo que esses tempos autoritários reapareçam em um auditório, camuflados em uma gestão desrespeitada.


OBLADI, OBLADÁ - Sobre o espetáculo "UP" da Oficina dos Menestréis - 13/06/2010 



Quem foi que disse que Down é pra baixo? Down é o médico que descreveu a doença que, na grande maioria dos casos, é decorrente de cópias extras dos genes do cromossomo 21. E que, por conta disso, o dia 21 de março (cromossomo 21 e 03 genes) é o Dia Internacional da Síndrome de Down. Normalmente seriam informações que se perderiam no bojo de de tantas passadas em uma palestra ou oficina de Saúde. No entanto estão fixadas na memória  fIde forma tão profunda que somente poderiam ter sido passadas por um caminho: a Arte. ‘A arte de sorrir cada vez que o mundo diz não’ de Guilherme Arantes cantada por Bethânia. A arte do espetáculo musical ‘UP’, apresentada pela Oficina dos Menestréis, onde tive o prazer de comparecer a convite do Menestrel Zeca e de sua mãe Idely.. E que me proporcionou um momento ímpar em minha vida. 
Fazia muito frio nas ruas de Sampa na última sexta feira, mas a super agradável companhia de meu amigo Dário e o teatro Dias Gomes lotado anteviam um espetáculo cheio de emoções. E assim o foi. Após a tocante fala de despedida da peça, em sua última apresentação, a banda arrebentou com a seriedade e trouxe consigo os menestréis dando o tom de alegria, criatividade, perspicácia e, por que não, de muita irreverência. Se você pudesse levar algum objeto para a Lua, o que levaria? Minha namorada!!! A forma tão fluida com que todos eles entraram em nossos corações e mentes nos levou às gargalhadas por diversas vezes, em outras nos banhou em lágrimas e em todas elas nos levou à reflexão, comprovando o esperado: a noite era muito especial, fosse ao som da profissionalíssima banda, dos Beatles ou da trilha sonora do E.T. Emoção e informação juntas! A fórmula do sucesso para o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade. E o resultado é imediato, a força que nos é introjetada é do tipo que se inquieta e não vê a hora de sair e inundar o mundo. E ali mesmo, já integrados a um ambiente de relações longevas e intensas, tivemos o prazer de conhecer nossos anfitriões Zeca e Idely, além de tanta gente legal e bonita. A noite de Sampa não estava mais tão fria e uma revolução havia acontecido em nosso interior.
Parabéns, irmãos Deto e Oswaldo Montenegro e equipe técnica da Oficina dos Menestréis.
Parabéns, Menestréis e suas super famílias pelo espírito de Vida!
A Rádio Good Morning informa a hora certa: São 21 horas, 43 minutos e 25 segundos.
26! 27! Pi! Piii!!! Obladi, Obladá! Life goes on!!!
Fotos cedidas por Idely Lelot: Primeira foto: grupo da oficina dos menestréis, jovens vestidos de roupas brancas. Segunda foto: Zeca e Julia, dois menestréis da oficina,jovens com síndrome de down, de frente um para o outro, rostos colados, sorriso, roupas brancas, como um passo de dança.

A OITAVA COR - Parada do orgulho LGBT na Avenida Paulista em São Paulo - 08/06/2010
Foi de encher os olhos ver a Paulista novamente colorida pela Parada do Orgulho LGBT. Foi de encher o coração ter tanta gente na avenida gritando por direitos embalados por música e dança. Foi de encher o espírito de força e esperança em dias melhores ver que o preto voltou a ocupar seu lugar de direito dentre as cores do arco íris para demonstrar que nem tudo é ouro ao seu final.
Com a visão privilegiada do Camarote Solidário da Agência de Notícias da AIDS, instalado no terraço do Conjunto Nacional, diversas pessoas ligadas à defesa dos direitos humanos puderam não somente saborear cada batida de estaca que vibrava dos trios elétricos. Tiveram também o prazer de ver cada detalhe que se passava na avenida e o contexto onde se inseria: o mar de gente que transformava tudo em cor, fosse asfalto, calçada, jardim, tudo. Tudo era alegria, também. Até quando conclamávamos o povo a votar contra a homofobia, o fizemos cantando, dançando e tendo a certeza que a vitória será nossa! Apesar dos apolinários da vida que, ao contrário de nós, semeiam o ódio entre os seres humanos.
A tarde ensolarada continuava agitada, entre drinques e beijos, de repente: uma cadeira de rodas gigantesca! A exclusão da exclusão estava ali, desfilando ares megalômanos de acordo com o tamanho do problema apresentado. O mesmo com um trio que jogava o foco para a questão dos idosos e idosas LGBT. E outros que vieram representando os movimentos sociais. Um trio de sindicato, outro, outro... Pessoal, é impressão minha ou mudou tudo? Essa pergunta estava estampada nos olhos vidrados de todos e, subito, acabou a música! Onde estavam os trios dos estabelecimentos comerciais GLS? Onde foram parar os pintos e peitos de fora que, naquele momento, tão mal fazem à nossa luta por respeito nas mais simples relações humanas? Não estavam lá. E a música parou.
A partir daí começou a parte mais emocionante da Parada do Orgulho LGBT da Cidade de São Paulo: centenas de milhares de pessoas não se dispersaram. Aquele mar de gente continuou cobrindo e avançando pela Avenida Paulista rumo a Rua da Consolação, agora não mais embalados pela música, mas somente por seu orgulho e pelo desejo de que aquele test drive de cidadania se perpetuasse no seu dia a dia. E, tal qual uma infecção que se dissemina pelo organismo, uma cor que por um bom tempo havia sido discriminada e banida do arco íris este ano retomou seu lugar de direito com tudo. Seguindo a orientação da organização, muitos ousaram o preto em seus modelos coloridos. O resultado desse conjunto de mudanças foi tão bom que a imprensa destacou a alegria na luta pela cidadania e o objetivo principal: VOTE CONTRA A HOMOFOBIA! Parabéns à organização pelas alterações promovidas.Parabéns às lideranças e população GLBT . Cor preta, seja bem vinda ao arco íris!! 
Descrição da imagem: Foto do rosto de Beto Volpe,soropositivo para o vírus HIV há 21 anos. Mobilidade reduzida pela AIDS há 14. Infectado pela solidariedade há 11, na Parada Gay 2010 de São Paulo. Ele está sorrindo, com um boné preto, escrito "São Vicente", com uma jaqueta de couro preto, estilo policial e uma "coleira" com enfeites de metal no pescoço. Ao fundo, balões verdes e amarelos.

Santos Dummont, Einstein e o coquetel
A história do desenvolvimento científico é repleta de boas idéias e brilhantes descobertas que, quando submetidas ao domínio do ser humano, transformaram-se em verdadeiras ameaças à paz e à vida. Foi assim com o avião, com a energia nuclear e agora com o coquetel anti HIV.
Quando Santos Dummont decolou com o primeiro mais pesado que o ar o mundo ficou maravilhado com a proeza que até então era restrita às ficções de Júlio Verne e outros visionários. Ao ver sua obra prima transformada em instrumento da destruição durante a Primeira Guerra Mundial, foi levado à depressão que o acompanharia até sua morte. Albert Einstein, ao deduzir a relação entre massa e energia em seu famoso E=mc², certamente não desejava ter que escrever ‘a guerra se chama o aniquilamento da humanidade’ com relação ao uso bélico da energia nuclear.
Nesta última semana de maio foi divulgada pesquisa da Fundação Bill e Melinda Gates cujos resultados demonstraram que o uso do tratamento antirretroviral para o HIV reduz em 92% as possibilidades de transmissão do vírus. Quem trabalha na área já sabia que uma pessoa com carga viral indetectável por seis meses teria essa redução a níveis hipotéticos. E também sabia que a divulgação desses dados poderia ser, como tudo em AIDS e na vida, uma faca de dois gumes.
A sociedade contemporânea privilegia o imediato e o conveniente, tendo o hábito de relativizar situações delicadas em prol de seus conceitos e preconceitos. Conhecemos também a filosofia da maioria das pessoas com relação à prevenção ao HIV: ao primeiro sinal de conforto a camisinha sai de cena. Seja esse conforto uma estética saudável ou uma jura de amor eterno. Como ela reagirá a essa nova informação? Não são mais cem, agora são somente oito por cento de risco.
Esses oito por cento certamente farão com que muitas pessoas se sintam mais seguras para abolir o uso dos preservativos de forma definitiva. Por outro lado, contrastarão com o preconceito ainda muito grande de uma relação afetiva com pessoas que vivem com HIV. Sendo estas as mesmas que não transmitiriam o vírus sob tratamento. Vivemos, definitivamente, a Era da Comunicação e da Hipocrisia.

Candlelight litoral 2010 por Beto Volpe


Neste domingo, 16 de maio, foi realizada em São Vicente/SP a 27ª Vigília Internacional pelas Vítimas da AIDS – Candlelight Litoral 2010. Na opinião dos organizadores, o evento teve enorme representatividade institucional com a presença de várias tradições religiosas, e contou com a adesão espontânea de cerca de 150 pessoas. Adeptos do candomblé e umbanda, católicos romanos e anglicanos, espíritas, judeus, islâmicos e ciganos somaram-se à sociedade civil organizada e a gestores municipais e estadual em AIDS com a finalidade de fortalecer o diálogo interreligioso como estratégia de enfrentamento ao HIV, sendo este objetivo dos trabalhos do Grupo de Trabalho em Religiões e AIDS do Litoral Paulista, organizador do evento.
As atividades tiveram início com os pronunciamentos oficiais do Fórum ONG/AIDS do Estado de São Paulo, Programa Estadual DST/AIDS de São Paulo e Programa Municipal DST/AIDS de São Vicente, seguidas de apresentações culturais das tradições cigana, da umbanda e do candomblé. As apresentações foram entremeadas por mensagens de prevenção ao HIV e de respeito aos direitos humanos, sendo que a falta de medicamentos foi o destaque negativo apresentado pela organização e presente em todos os pronunciamentos. A organização agradeceu à Prefeitura Municipal e ao Fundo Social de Solidariedade de São Vicente, DJ João e aos voluntários que tornaram possível mais essa atividade em prol da cidadania das pessoas vivendo com HIV e da luta contra a AIDS.
Porém, o momento de maior emoção foi quando os apresentadores Beto Volpe, soropositivo há 21 anos e presidente do Grupo Hipupiara de São Vicente e Gladys de Wallau, soropositiva há 20 e presidente da APIS de Praia Grande convidaram as lideranças religiosas para subirem ao palco e se somarem a todos na Oração Pela Vida, enquanto os presentes acendiam velas vermelhas, fincando-as em um grande laço de areia, formando o símbolo internacional da luta contra a AIDS em um belo anoitecer à beira mar. Por alguns minutos todos ficaram em silêncio e reverenciaram as pessoas queridas que já se foram e pediram bom senso aos governantes para que o Candlelight não tenha cada vez mais mortes a serem lembradas. Após esse momento as lideranças prestaram homenagens cada qual à sua tradição.
Finalizando o evento, uma grande roda formou-se espontaneamente em volta do laço ao som de Cazuza e Renato Russo. E sob os gritos de “Viva a Vida!” foi firmado o compromisso de que as tradições religiosas ali presentes estariam incorporadas ao GT Religiões e AIDS para que possamos aprimorar as estratégias de combate à epidemia através de outra força tão capilarizada quanto ela: a Fé.
Beto Volpe – www.hipupiara.org.br www.rnpvha.org.br
Pelo GT Religiões e AIDS do Litoral Paulista

Os bêbados e os equilibristas por Beto Volpe (abril/2010)

"Mas sei que uma dor assim pungente não há de ser inutilmente
A esperança dança na corda bamba de sombrinha
E em cada passo dessa linha pode se machucar. Azar...
A esperança equilibrista sabe que o show de todo artista tem que continuar.’
João Bosco e Aldir Blanc

Não pairam dúvidas sobre a importância da estratégia brasileira de enfrentamento à AIDS, tanto para os brasileiros quanto para a comunidade internacional, como exemplo de atuação plural e capilarizada na luta contra a epidemia. Também não se questiona a estratégia de fornecimento do coquetel antirretroviral a todos os que dele necessitam, embasada em evidências científicas e apoiada na integralidade do SUS. Porém, o que nós que vivemos com HIV e os infectologistas que fazem nosso tratamento estamos nos perguntando é se o Brasil tem sobriedade na gestão da política farmacêutica em AIDS. E também até que ponto conseguiremos nos equilibrar nessa corda bamba sem sombrinha que é a vida dos soropositivos brasileiros.
Apesar da desesperança generalizada da década de oitenta e contrariando a certeza cientifica do início da década de noventa de que qualquer tratamento somente estaria disponível no século 21, em 1995 descobriu-se que uma combinação de medicamentos conseguia conter a progressão da infecção pelo vírus HIV e em 1996 o feito foi anunciado para o mundo, colocando fim a uma angustia que afligia a todos nós que havíamos sobrevivido à praga do século: havia um tratamento eficaz para a AIDS. A esperança agora tinha uma linha tênue, uma corda bamba por onde poderíamos continuar a trilhar nossas vidas e a, quem sabe, voltar a realizar desejos e sonhos.
Mas nossos desejos e sonhos ainda estavam distantes de serem realizados, o tratamento era caro e a maioria de nós não tinha recursos para custeá-lo. Após muita pressão de pessoas vivendo com HIV, ativistas de ONGs e mesmo de gestores em AIDS o Congresso Nacional aprovou a lei 9313/96 que garantia a distribuição do coquetel, sancionada pelo então presidente José Sarney. Enfim, após duas décadas de angústias e de ter somente a fé a nosso lado, pudemos respirar aliviados, pois nosso maior problema havia desaparecido: havia um tratamento e ele estaria disponível pelo Sistema Único de Saúde. Havia sido colocada uma rede de segurança sob nossa corda bamba.
Quando no início tivemos alguns problemas no fornecimento de medicamentos ficou evidente que a missão de suprir todas as necessidades farmacêuticas em AIDS era bastante complexa. Havia todo um processo que envolvia a aquisição de medicamentos com preços nada humanitários das multinacionais, produção local de alguns medicamentos ou aquisição de genéricos de laboratórios de países emergentes, distribuição para todo o território nacional, estocagem e fornecimento dos medicamentos nas unidades de distribuição. A adesão ao tratamento era o passo final desse processo, e também fundamental, pois a resistência viral a tratamentos descontinuados também era de conhecimento da ciência. E foi assim que o Brasil tornou-se referência mundial na integralidade da assistência em AIDS.
Porém, com o avançar do século 21 os problemas se demonstraram recorrentes e o desabastecimento de medicamentos passou a ser uma constante em nossas vidas. Ora por quedas de braços com as multinacionais farmacêuticas, ora pela dificuldade na aquisição de matéria prima para fabricação nacional. Ora pela apreensiva relação com laboratórios indianos, ora pela falta de planejamento em distribuição e estocagem. Percebemos que as autoridades responsáveis pela política farmacêutica no Brasil, especialmente em AIDS, estavam embriagadas. Embriagadas pela notoriedade internacional, seus superiores pelas possibilidades políticas que frutificariam desse reconhecimento e todos pela ilusão de que o pior havia passado. Quem havia instalado nossa rede de proteção estava completamente bêbado.
Hoje, pela quarta ou quinta vez nesta década, somos submetidos a trocas de terapias desnecessariamente, com impactos ainda desconhecidos na resistência viral e no aparecimento de novos efeitos colaterais. Muitos de nós estamos voltando das farmácias públicas com medicamentos suficientes para um terço da necessidade mensal, comprometendo a adesão ao tratamento. Um tratamento que todos nós faríamos de tudo para interromper. E que não o fazemos porque acreditamos que ele é a única forma de transpormos essa corda bamba e que chegaremos, um dia, ao outro lado do picadeiro de forma natural, sem sobressaltos.
E hoje, pela quarta ou quinta vez nesta década, somos obrigados a sair às ruas em todo o Brasil para exigir sobriedade das pessoas envolvidas nesse processo, tanto na gestão federal quanto nas estaduais em Saúde. Somos obrigados a uma vez mais nos expor em praça pública, como em um grande circo mambembe em sua macabra turnê. E sob os incentivos mútuos e de nossas famílias e médicos continuamos a caminhar na corda bamba sem sombrinha e, em nome das saudades do irmão do Henfil e de tanta gente que partiu, não admitimos mais segurar esse rabo de foguete. Ao invés dos bêbados, somos nós que trajamos luto. O luto pelo descaso das autoridades em Saúde para com as pessoas que vivem com HIV de nosso país. O mesmo país que é reconhecido como o melhor do mundo no assunto. Que caia a tarde feito um viaduto, antes que o circo pegue fogo.
Todos às ruas neste 28 de abril!
Tolerância Zero para falta de medicamentos
Em defesa do SUS!!
Luiz Alberto Simões ‘Beto’ Volpe
Soropositivo para o HIV há 21 anos
Presidente do Grupo Hipupiara Integração e Vida – São Vicente/SP
Membro da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS



2 comentários:

nei fernandes disse...

Eu recomendo colocar o nome no site de orações https://members.yogananda-srf.org/SelfService/Prayers/PrayerRequest.aspx , o que faço sempre alguém precisa, com Deus sempre!
Do site www.yogananda-srf.org .

Natasha perry disse...



"Si tan sólo supiera antes '' es lo que se presenta de nuevo a la mente cuando recuerdo la

cantidad de dinero y el tiempo que perdí con pastillas para mantenerse saludable con una

enfermedad Me acaban de curado dentro de los cinco días de mi contacto con

hivspelltemple@gmail.com, el VIH es una enfermedad común con la ayuda de hivspelltemple@gmail.com

WhatsApp en imo +2348103753977