Deficiência: Outros temas

Criamos este espaço para materiais interessantes que não tenham relação direta com o foco do blog : aids e deficiência. 

Com a palavra, Betinho: Uma carta para Maria
Herbet de Souza
Este texto é para Maria ler depois da minha morte, que, segundo meus cálculos, não deve demorar muito. É uma declaração de amor. Não tenho pressa em morrer, assim como não tenho pressa em terminar esta carta. Vou voltar a ela quantas vezes puder e trabalhar com carinho e cuidado cada palavra. Uma carta para Maria tem que ter todos os cuidados. Não a quero triste, quero fazer dela também um pedaço de vida pela via da lembrança, que é a nossa eternidade.
Nos conhecemos nas reuniões da AP (Ação Popular), em 1970, em pleno maoísmo. Havia um clima de sectarismo e medo nada propício para o amor. Antes de me aventurar, andei fazendo umas sondagens e os sinais eram animadores, apesar de misteriosos. Mas tínhamos que começar o namoro de alguma forma. Foi no ônibus da Vila das Belezas, em São Paulo. Saímos em direção ao fim da linha como quem busca um começo. E aí veio o primeiro beijo, sem jeito, espremido, mas gostoso, um beijo público. A barreira da distância estava rompida para dar começo a uma relação que já completou 26 anos!
O maoísmo estava na China, nosso amor na São João. Era muito mais forte que qualquer ideologia. Era a vida em nós, tão sacrificada na clandestinidade sem sentido e sem futuro. Fomos viver em um quarto e cozinha, minúsculos, nos fundos de uma casa pobre, perto da Igreja da Penha. No lugar, cabia nossa cama, uma mesinha, coisas de cozinha e nada mais.
Mas como fizemos amor naquele tempo... Foi incrível e seguramente nunca tivemos tanto prazer. Tempos de chumbo, de medo, de susto e insegurança. Medo de dia, amor de noite. Assim vivemos por quase um ano. Até que tudo começou a cair. Prisões, torturas, polícia por toda parte, o inferno na nossa frente.
Depois de muita discussão ideológica com os companheiros, partimos para o Chile. Eu ia primeiro, você depois. Havia uma certeza de que nunca mais nos veríamos, era a despedida e a morte do nosso amor tão intenso, belo e curto. Na saída do Brasil, parei na porta de uma casa de discos que tocava Construção, de Chico Buarque. Chorei sem remédio por nós, pelos amigos, pelo país, pela vida. E segui adiante, já sem você ao meu lado. Era um longo caminho até Santiago. Enfim, a liberdade. Mas estava sem você que ficara para fazer algumas tarefas.
Cheguei ao Chile em tempos de Allende. Sentava nas praças, olhava todas as pessoas como se fossem normais e irmãos. O Chile era normal. O Brasil era a patologia, a ditadura. O Chile era a alegria, o Brasil, a tragédia. Foi um tempo fantástico e foi só aí que voltei a ter minha identidade, meu nome, meu apelido, minha biografia. Você não sabia com quem havia se casado, não sabia quem era o Betinho e minha história passada no tempo da JEC (Juventude Estudantil Católica), do Jango, do MEC (Ministério da Educação e Cultura), dos primeiros anos do golpe. Foi aí também que, pela primeira vez, meu filho, Daniel, me chamou de Betinho.
Para você, tudo começara com a militância maoísta e com a clandestinidade. Meu nome era Wilson e o seu era Marly. No Chile, nos reencontramos com a nossa própria história. De operário e desempregado passei a sociólogo trabalhando com Juan Garcez, assessor de Allende. Idéia do Darcy Ribeiro. Quem resiste ao Darcy? Eu era o assessor do assessor. Passava idéias, através do Garcez, para o presidente do Chile. Era surrealista sair do nada e da clandestinidade para essa função que só você, Garcez, Darcy e eu sabíamos.
Algumas idéias fantásticas me vinham à cabeça depois de fazer amor com você. Era como se minha cabeça se abrisse depois do prazer e parisse idéias geniais. Eu as anotava, passava para Garcez e depois as via publicadas nos jornais pela boca de Allende. Foi a primeira vez que vi o amor virar política.
Uma manhã ligamos o rádio e escutamos Allende anunciando a traição e dizendo que resistiria até a morte. Assistimos ao bombardeio do Palacio La Moneda do alto de nosso edifício. Foi uma visão do inferno. O diabo no ar, a impotência na terra. A morte por cima de nossas cabeças.
A solução era o exílio. Entramos na única embaixada que sobrava, a do Panamá. Cerca de 300 pessoas espremidas como sardinhas e felizes por estarem vivas. Eram 300 vidas emboladas no menor espaço possível, mas com tudo que a vida tem. Inclusive o medo da morte. O que importa é que estávamos juntos. Até que nos vimos no avião voando para a cidade do Panamá. Tínhamos 600 dólares no bolso, o que no Chile era uma fortuna, mas no Panamá não era nada.
Chegando ao Panamá, fomos recebidos pelo general Torrijos... Esse era o general que dizia que cada povo tem a aspirina que merece! Nunca entendi a frase, mas estava em vários outdoors pela cidade. Fomos isolados em hotéis do interior por exigência de Kissinger que negociava o Canal do Panamá. Foi como tirar cinco meses de férias políticas no Caribe.
você preocupada, mas calma; eu calmo, mas preocupado. E agora? Já não havia mais lugar na América Latina. A onda das ditaduras começava por toda parte. Restavam a Europa, os Estados Unidos ou o Canadá. Tentamos os Estados Unidos, mas não deu, nem passaporte tínhamos. Através de amigos, fomos para o Canadá. Fizemos uma invasão pacífica, burlando a migração. Sem visto e com muita astúcia. E agora, Maria? Canadá, fevereiro, neve por todo lado, 20 graus abaixo de zero. Sem roupas, sem documentos, sem dinheiro. Só tínhamos o essencial: amigos e solidariedade.
Ao longo de nossas vidas, até então em quantas camas havíamos dormido, quantas mudanças forçadas? De novo, o importante e fundamental: juntos e prontos para compartir tudo. Com tudo isso e muita sorte, sempre apareciam os amigos e sempre se manifestava a solidariedade.
Em Toronto, a primeira cama foi no convento Scarboro Foreign Mission. Era estreita, mas dormíamos bem juntos para não sobrar pelos cantos. Sem roupa de frio, fomos buscar os capotes dos padres canadenses dez vezes maiores que nós. Até um par de sapatos espanhol achei que me cabia como uma luva e passei a usar esse elegante par de sapatos, mais achado que dado.
A segunda cama foi na casa de um casal – ele americano, ela canadense – que nos cedeu a própria cama até que conseguimos um lugar na York University. O casal dormia na sala para nos ceder lugar no quarto. Nunca fiz isso no Brasil por ninguém.
A terceira cama já foi em um belo apartamento de quarto e sala para estudantes graduados no campus da universidade. Compramos uma televisão vagabunda preto-e-branco, um carro usado bem caidaço e foi só esse nosso sonho de consumo. O que tínhamos mesmo eram amigos...
A quarta cama foi em um apartamento na 60 Tyndall Ave., onde passamos quatro invernos. Muito papo, estudo, paz. Parecia que a vida estava normal, apesar de tão longe do Brasil. Henfil encurtava as distâncias via telefone, visitas e muitos recortes de jornais brasileiros. A vida corria mais lenta, o inverno não passa rápido. Lá fora a neve, cá dentro nós juntos segurando a mão e a alma um do outro. Bendita Maria. Às vezes, saudade, nostalgia, mas sempre se inventavam coisas: comidas, restaurantes, cinema, amigos e papos sem fim. Exílio com Maria era só meio exílio.
Do Canadá rumamos para o México. Lá vivemos uma grande experiência até que a anistia chegou e nos surpreendeu. E agora, o que fazer com o Brasil? Foi um turbilhão de emoções. O sonho virou realidade. Era verdade, o Brasil era nosso de novo. A primeira coisa foi comer tudo que não havíamos comido no exílio: angu com galinha ao molho pardo, quiabo com carne moída, chuchu com maxixe, abóbora, cozido, feijoada. Um festival de saudades culinárias, um reencontro com o Brasil pela boca.
Uma das maiores emoções da minha vida foi ver o Henrique surgindo de dentro de você. Emoção sem fim e sem limite que me fez reencontrar a infância. Depois do exílio, nossas vidas pareciam bem normais. Trabalhávamos, viajávamos nas férias, visitávamos os amigos, o Ibase funcionava, até a hemofilia parecia que havia dado uma trégua. Henrique crescia, Daniel aos poucos se reaproximava de mim, já como filho e amigo.
Mas, como uma tragédia que vem às cegas e entra pelas nossas vidas, estávamos diante do que nunca esperei: a Aids. Em 1985, surge a notícia da epidemia que atingia homossexuais, drogados e hemofílicos. O pânico foi geral. Eu, é claro, havia entrado nessa. Não bastava ter nascido mineiro, católico, hemofílico, maoísta e meio deficiente físico... Era necessário entrar na onda mundial, na praga do século, mortal, definitiva, sem cura, sem futuro e fatal.
E foi aí que você, mais do que nunca, revelou que é capaz de superar a tragédia, sofrendo, mas enfrentando tudo e com um grande carinho e cuidado. A Aids selou um amor mais forte e mais definitivo porque desafia tudo, o medo, a tentação do desespero, o desânimo diante do futuro. Continuar tudo apesar de tudo, o beijo, o carinho e a sensualidade.
Assumi publicamente minha condição de soropositivo e você me acompanhou. Nunca pôs um senão ou um comentário sobre cuidados necessários. Deu a mão e seguiu junto como se fosse metade de mim, inseparável. E foi. Desde os tempos do cólera, da não-esperança, da morte de Henfil e Chico, passando pelas crises que beiravam a morte até o coquetel que reabriu as esperanças. Tempo curto para descrever, mas uma eternidade para se viver.
Um dos maiores problemas da Aids é o sexo. Ter relações com todos os cuidados ou não ter? Todos os cuidados são suficientes ou não se devem correr riscos com a pessoa amada? Passamos por todas as fases, desde o sexo com uma e duas camisinhas até sexo nenhum, só carinho. Preferi a segurança total ao mínimo de risco. Parei, paramos e sem dramas, com carências, mas sem dramas, como se fosse normal viver contrariando tudo que aprendemos como homem e mulher, vivendo a sensualidade da música, da boa comida, da literatura, da invenção, dos pequenos prazeres e da paz. Viver é muito mais que fazer sexo. Mas, para se viver isso, é necessário que Maria também sinta assim e seja capaz dessa metamorfose, como foi.
Para se falar de uma pessoa com total liberdade, é necessário que uma esteja morta, e eu sei que esse será o meu caso. Irei ao meu enterro sem grandes penas e, principalmente, sem trabalho, carregado. Não tenho curiosidade para saber quando, mas sei que não demora muito. Quero morrer em paz, na cama, sem dor, com Maria ao meu lado e sem muitos amigos, porque a morte não é ocasião para se chorar, mas para celebrar um fim, uma história.
Tenho muita pena das pessoas que morrem sozinhas ou mal-acompanhadas, é morrer muitas vezes em uma só. Morrer sem o outro é partir sozinho. O olhar do outro é que te faz viver e descansar em paz. O ideal é que pudesse morrer na minha cama e sem dor, tomando um saquê gelado, um bom vinho português ou uma cerveja gelada.
Te amo.
Betinho
Itatiaia, janeiro de 1997
http://www.ibase.br/betinho_especial/maria/uma_carta_a_maria.htm

A carruagem que virou abóbora - 
Flávia Cintra ( FEV 2011)
Caros, Este texto, delicado e contundente escritpo por Flavia Cintra ilustra o conceito de deficiência trazido pela Convenção. Merece ser lido e amplamente e amplamente divulgado.Contamos com vocês! Tem varinha de condão prá todo mundo.abraços Marta Gil

Adoro teatro e estimulo meus filhos a desenvolver esse gosto. Desde que eram pequenininhos, procuro peças adequadas à sua idade e vamos assistir juntos. Acho que parte da magia está na espera pela apresentação e, desta vez, fomos ansiosos assistir Cinderela, um de seus contos de fadas preferidos. Confesso que é um dos meus preferidos também.
No site do Teatro Ressurreição (http://www.teatroressurreicao.com.br/), onde a peça estava em cartaz neste final de semana, consta que há acessibilidade para pessoas “especiais”. Ao visitar a página do teatro, me incomodei com a terminologia inadequada e não resisti: mandei um e mail sugerindo melhorar o texto, utilizando “pessoas com deficiência”. Mal sabia que este incomodo não seria nada perto do que estava por vir.
Como faço por costume, me certifiquei do acesso num telefonema em que a atendente confirmou que o espaço era todo acessível para cadeirantes. Então, fui tranqüila com meus dois filhos de 3 anos e meio, minha sobrinha de cinco, minha mãe e a babá.

Cheguei com antecedência, uma hora antes do inicio do espetáculo, e aí os problemas começaram acontecer. Na entrada do teatro havia um degrau. Sim, um único degrau, mas o suficiente para impedir minha entrada. Pedi para a babá perguntar ao funcionário lá dentro onde estava a entrada acessível, pois não me passava pela cabeça que não houvesse, já que eu tinha me certificado disso antes. Um segurança chegou para me explicar que aquele ali era “o único degrau”, mas que ele me ajudaria a subir. Cadeiras de rodas motorizadas são pesadas, não é tão simples levantá-las... primeiro porque se a cadeira virar, eu me machuco e quem está me ajudando também pode se machucar. Depois porque a cadeira pode quebrar. Mas, ponderei, eu já estava ali... o degrau não era tão alto. Calculei os riscos e aceitei a ajuda. 
Na bilheteria, outro problema. O funcionário informou que o lugar reservado para cadeirantes fica no fundo do teatro. Não havia espaço para que eu ficasse perto das crianças. Enquanto eu e minha mãe discutíamos com a funcionária, Mariana avisou que precisava ir ao banheiro. A babá a acompanhou até o saguão do teatro, um espaço confortável com ar condicionado, com quatro degraus altos na entrada. E como vou entrar no saguão para aguardar a peça?
Laura, uma moça linda e simpática que trabalha como estagiária no teatro não sabia mais o que fazer. Ela me explicou que o acesso ao teatro é feito por uma entrada lateral, um corredor de serviço usado para passagem de técnicos de cenário, figurino e elenco. Visivelmente chateada e constrangida, ela foi se informar mais. Voltou com o segurança Edson, outro fofo que tentou me ajudar. Ele sugeriu a outra entrada por onde, segundo ele, havia “apenas um degrau” para se chegar ao saguão. Descemos o degrau da primeira entrada, fomos pela rua até a segunda entrada onde havia um degrau igual ao primeiro. Subimos de novo. Então, vi o tal degrau para o saguão. Tinha uns 40 cm de altura, impossível. A essa altura, eu via meus filhos lá dentro com a minha mãe que me olhava aflita. Algumas pessoas que observavam tudo começaram a se manifestar, outras me reconheceram por causa do meu trabalho e se aproximavam para me cumprimentar, enquanto eu tentava raciocinar para decidir o que fazer. 
Eu não ia fazer meus filhos e minha mãe ficarem comigo embaixo do sol forte daquele horário, aguardando do lado de fora do teatro. Eu até esperaria sozinha, mas se eu pudesse... pelo menos, estar ao lado deles para assistir a peça.  Isso também não seria possível. Eu já estava nervosa e vendo a situação piorar, virar um tumulto. Se eu estivesse sozinha ou acompanhada só de adultos, talvez continuasse a briga. Mas, eu levei as crianças para assistir Cinderela e não queria estragar o passeio deles.
Acenei para minha mãe trazer meus filhos e minha sobrinha. Eles desceram os degraus e me ouviram explicar que eu ia esperá-los em casa. Minha filha e minha sobrinha lamentaram com um "ahhhhh...", mas meu filho questionou severamente: "Por que mamãe?"
- Filho por que não dá para a mamãe entrar, você está vendo...
Então, a conversa ficou séria. 
- É por que você anda de cadeira de rodas?

- Não, filho, é por que aqui tem esses degraus.
- Mamãe, é proibido entrar pessoas de cadeiras de rodas nesse teatro?
- Não, Mateus. É proibido ter degraus no teatro.
- Então, eles precisam consertar!
- A mamãe vai trabalhar para isso.
Percebi a indignação das pessoas que assistiram as perguntas do meu filho. Não havia o que fazer. Eu queria acabar com aquilo. Queria que eles se divertissem e fui contornando a situação até que eles entraram felizes com minha mãe e a babá.
Voltei para casa de taxi, chorando de raiva e tristeza. Não chorei por mim, mas pela decepção deles, pela injustiça. Eu comprei ingressos de um teatro que se dizia com acessibilidade. Fiz tudo certo, confirmei por telefone e cheguei antes para não ter problema. Fiquei pensando se eles não sabem o que é acessibilidade ou se mentem para as pessoas. Pior que não ter acesso foi mentir que tinham, pois me obrigaram a viver com meus filhos a cena que eu tenho evitado e adiado desde que eles nasceram.
Eles chegaram entusiasmados, contando detalhes da peça. Até que... 
- Ah, mamãe, tem outra coisa! Eu pedi para a fada da Cinderela te ajudar a fazer desaparecer os degraus. Ela disse que vai ajudar.
Me desculpe o desabafo, mas é que precisamos de muitas fadas para concretizar o “...e foram felizes para sempre”. 
Varinhas de condão estão disponíveis no Decreto 5296.

Flávia Cintra - 

Memorial da Inclusão: os Caminhos da Pessoa com Deficiência: Inaugurado em 3 de dezembro de 2009. Em 2010, cresceu um pouco mais com dois formatos para itinerância nos municípios de São Paulo. Temos agora a honra de convidá-lo para o lançamento da versão virtual e também para a primeira mostra de acessibilidade dos museus do Estado de São Paulo, em foco no Museu
Casa de Portinari e Pinacoteca do Estado, em um espaço especialmente preparado para este fim dentro do Memorial da Inclusão.O
s lançamentos ocorrerão no dia 24/02/2011, às 17:00h, no Memorial da Inclusão, sede da Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Av. Auro Soares de Moura Andrade, 564 – portão 10- Barra Funda – São Paulo – SP (
Mensagem enviada por Lia Crespo - fev de 2011)

O olhar do outro - Jairo Marques


Com o tempo, a gente consegue decodificar esse olhar [compadecido] em segundos e é chato, chato


É "DI CERTEZA", como diz um velho amigo meu, que o que mais aporrinha nessa história de viver montado numa cadeira de rodas nem é a falta de rampas, os banheiros estreitos, a falta de sinalização em braile, pois tudo isso, martelando firme, o tempo há de trazer. Mas aqueles olhares que parecem dizer "Quem botou essa pessoa aqui? O que eu faço com isso? Ele fugiu do hospital?", esses sim enchem o saco e machucam o coraçãozinho do povo mal-acabado das pernas, dos braços, dos olhos, dos ouvidos e da maquinaria em geral.
Certa vez, eu aguardava para fazer uma entrevista na antessala do gabinete de um ex-governador e manobrista de peixeira, quando o homem surgiu e me fuzilou com um olhar daqueles bem distantes do lirismo da famosa poesia do Vinicius de Moraes. "Manda esse menino para a Assistência Social, o que ele veio fazer aqui?", disse o então mandatário para um assessor.
Ter algum tipo de deficiência é conviver quase o tempo todo com uma roupa de palhaço de circo de pobre -sem nenhum glamour, mas que resolve. Claro que, como prega aquele lugar-comum, "tudo que é diferente chama a atenção", mas acontece que o olhar que nos dirigem é carregado de significados além da curiosidade pura e simples.
Também não estou tratando daqueles "oooolha, mãe", disparados pela criançada no shopping ou na rua quando veem um cadeirante. Aqueles que os pais, mais do que depressa, tentam erroneamente disfarçar ou punir. Nesses casos, o que constrói um novo pensamento é mostrar pra molecada que existem pessoas com características físicas ou sensoriais diversas no mundo.
Falo do olhar compadecido, de incômodo, de estorvo, de café com leite para tudo e para qualquer coisa, de incapaz. Com o tempo, a gente consegue decodificar esse olhar em segundos e é chato, chato.
Imagino, com certa convicção, que os autores desses olhares não saibam que, na maioria das vezes, conseguimos "ouvir" suas intenções com clareza, afinal, podem ser anos de prática. E também imagino que podem não saber que uma pessoa com deficiência pode ter uma vida absolutamente comum, com apenas algumas adaptações.
No sábado, um dos mais importantes movimentos pela inclusão no país, o "Superação", vai agitar suas bandeiras por mais acessibilidade, a partir das 11h, em uma passeata que sairá da praça da República, no centro de São Paulo.
Tomara que os olhares lançados sobre o povo que não anda -ou que anda meio atrapalhado-, que puxa cachorro-guia -ou que é guiado por uma bengala-, sejam de incentivo pela participação no ato, sejam de solidariedade na batalha por um mundo mais acessível, sejam de aprovação para a "teimosia" de querermos ser iguais.
Lá no blog, está rolando um concurso cultural "maraviwonderful" que vai premiar com uma "handbike" (uma bicicleta que é pedalada com as mãos!) o leitor que for mais criativo. Aí é que vão olhar mesmo esse povo abatido pela guerra!
O lance é inventar uma resposta para a pergunta que está detalhada lá no "Assim como Você", que pode ser dada com uma frase, um vídeo, um desenho, uma ilustração. As inscrições vão até o dia 15 de dezembro.

assimcomovoce.folha.blog.uol.com.br e jairo.marques@grupofolha.com.br




Foto do rosto de
 Ana Carolina sorrindo.
A história da Ana Carolina : Estimulada pelos pais Waldir e Gina, Ana Carolina venceu as limitações da Síndrome de Down e é uma pedagoga com pós graduação Não gosto de histórias de superação e nem acho que a história do link abaixo se trate disso. A série de reportagens do Diário Catarinense leva esse nome e ali foi que conheci a história da Ana Carolina. Imagino que hajam muitas outras pessoas com SD que anoninamente tem conseguido viver a pleno a sua vida, estudando ou fazendo outras coisas mas, na nossa sociedade e cultura, isso ainda merece capa de jornal, o que não é de todo injusto, afinal são pessoas que aí estão "contrariando as previsões e estatísticas" e deitando por terra toda a descrença que ainda se deposita sobre as pessoas com deficiência intelectual. 
http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/default.jsp?uf=2&section=Geral&newsID=a3125866.htm>
Um abraço, Lucio - Pai da Isabel e do Rodrigo
http://duplinhadedois.vilabol.uol.com.br/ e http://morphopolis.wordpress.com/ ehttp://www.inclusive.org.br/





O relógio parecia parado. O tempo não passava. Enquanto os esperava voltar, ficava simulando mentalmente outros jeitos de reagir, tentando interpretar se eu havia feito o melhor. Eu detesto armar barraco e acho que não valeria a pena expor as crianças ainda mais.