terça-feira, 5 de abril de 2011

Em artigo, Adriana Lage comenta sobre relacionamentos e sexualidade na vida das pessoas com deficiência


Por Adriana Lage

Tive um chefe aqui no banco que sempre me dizia que Deus nunca nos dá uma cruz maior do que aquela que podemos carregar. Algumas características do ser humano que mais admiro são a capacidade de adaptação e a resiliência. Acho que, quando nascemos ou adquirimos alguma deficiência, não há como escapar dessas características. Sem elas, o fardo da vida fica muito mais pesado. No nosso dia a dia, não são poucas as situações de desrespeito aos nossos direitos, preconceitos e injustiças. Muitas vezes, ficamos de mãos atadas. Queremos mudar os fatos, mas nem sempre isso depende só de nós.
Ao longo da vida, desenvolvi uma boa resistência para lidar com frustrações e perdas. Mas, quando isso acontece na esfera dos relacionamentos amorosos, ainda perco o chão. Estou parecendo protagonista daquelas músicas sertanejas, bem dor de cotovelo, altamente lacrimejantes e chorosas. De domingo pra cá, já deu pra encher o Rio Arrudas aqui de BH. E, por que não, o Pinheiros e Tietê, já que a causa delas fica em Sampa! Não acho que a função do relacionamento seja causar tristeza e dor. É claro que, eventualmente, existirão desencontros e pequenas brigas. Algumas contornáveis. Outras, não! É como me disse meu amor Alê: os pregos podem ser retirados, mas suas marcas sempre ficarão. Para mim, o grande barato de namorar é sentir prazer, não só o físico/sexual, dar boas risadas juntos, se sentir flutuando nas nuvens, sentir o coração disparado quando recebo uma ligação da pessoa que amo, dividir os momentos de alegria e tristeza, ter cumplicidade, cuidado e carinho um com o outro... Já me disseram que ando procurando um marido ao invés de namorado. Também me falaram que busco um príncipe de contos de fadas. Não acho que seja isso. Não tenho culpa se sou uma pessoa romântica! Sei que príncipes não existem, mesmo porque, várias piadinhas ressaltam que o melhor mesmo é o Lobo Mau (te ouve melhor, te cheira melhor...)!!
Acho que, hoje em dia, as pessoas andam tão atarefadas e mais individualistas que se esquecem de cultivar o amor e dar valor às pequenas coisas da vida. Nossa rotina anda tão estressante, que, muitas vezes, ficamos tão absorvidos com nossos afazeres e com o bombardeio de informações, que vamos deixando pra depois aquilo que realmente nos interessa. Quando nos damos conta, nossas gavetas já estão cheias de sonhos esquecidos e amores perdidos. O bom é que sempre podemos recomeçar e tentar mudar o curso da vida. Fácil não é, mas o risco vale à pena. Isso vale pra qualquer pessoa. O fato de possuir alguma deficiência, pouco interfere. Todos os mortais sofrem com essas coisas. E que graça teria a vida sem os desafios e surpresas do amor?!
Ainda não tive muita sorte no amor. Dessa vez, pensei que as coisas seriam melhores. Mas não sei... Tomara que dê tudo certo. Embora já tenha 33 anos, nunca fui namoradeira. Provavelmente, muito mais por falta de oportunidade do que de vontade. O Alexandre foi o terceiro homem a disparar meu coração. Ele é uma gracinha. Tem todas as qualidades que sempre busquei em um namorado. Pena que ele não entenda muito meu lado romântico de ser. Os outros dois por quem me apaixonei, só foram me dar o devido valor depois que me perderam. Esse é um fator que acho terrível no amor. Por que, normalmente, as pessoas só dão valor ao outro depois que perdem? Embora os valores tenham se transformado por completo nos últimos anos, como boa mineirinha que sou, sou mais certinha. Não gosto de estar cada dia com uma pessoa diferente, nem sair ficando por aí...
Tenho vários amigos deficientes que considero muito loucos. Um amigo cadeirante vive reclamando que não consegue arrumar namorada. As mulheres sempre se encantam por ele, mas apenas como amigo. Com isso, acaba contratando garotas de programa e vive se arriscando em locais desertos. Freqüentemente, conversamos. Ele sempre me dá dicas sobre cadeiras de rodas motorizadas, cuidadores, gandaia e informática. Pena que não dê pra conversar muito. Basta dar um pouquinho de atenção que já coloca as asinhas de fora e me chama pra brincar no MSN. A teoria dele é que, no MSN, podemos brincar e ter prazer sem nos machucarmos e magoarmos. Não gosto disso. Além de me dar uma vergonha danada, nunca faria esse tipo de coisa sem ter um vínculo maior com a pessoa.
Já, uma amiga cadeirante, vive reclamando que anda na seca. Fala que nem bêbado olha pra ela. Com isso, na falta de algo melhor, acaba se sujeitando em ser a outra. Vive sendo amante dos outros. Também vive procurando namorados na internet. Quando encontra, arruma um jeito e logo vai conhecê-los pessoalmente. Só que, infelizmente, são relacionamentos de curtíssima duração.
Conheci uma nadadora amputada que vive se relacionando com devottes. A mulher tentou me convencer de todo jeito que os devottes são a melhor alternativa para pessoas com deficiência. Falou que, no meu caso, já que sou bonita (palavras dela!), que não teria dificuldade nenhuma. Mas acho muito estranha essa história de devotte. Um dia desses estava conversando com a Vera que tem um blog sobre deficiências. Ela escreveu um artigo sobre devottes que não concordei 100%. Não conseguimos chegar num acordo. Pra mim, o tipo de preferência é diferente. Por exemplo, nunca vi alguém, que seja apaixonado por loiras, chegar pra uma mulher e perguntar qual sua marca da tintura, o número da coloração ou de qual região da Europa vieram seus ancestrais, etc. Eu não acho nada romântico alguém me perguntar se minhas pernas são finas, se uso sonda, fralda, etc. A embalagem é mero detalhe, mesmo porque, com o passar do tempo, todo mundo envelhece e o corpo se modifica.
Enfim, quem não tem talento pra escrever um modão dor de cotovelo, desabafa através do texto. Quando a sociedade passar a conhecer melhor as pessoas com deficiência, respeitando nossos direitos e anseios, com certeza teremos menos preconceito e poderemos exercer nossa sexualidade em toda sua plenitude. O bom da vida é que tudo passa. Estamos em constante aprendizado.
Postado por Leandra Migotto Certeza - escritora, jornalista e consultora no Caleidoscópio em 3/31/2011 04:30:00 PM

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