Segundo fisiatra, mulheres com lesão medular têm gravidez normal. Elas contam como enfrentaram desafios na criação de seus filhos. Nathália Duarte Do G1, em São Paulo (09/05/2010)
“Ser mãe cadeirante não é difícil. Difícil é ser mãe.” É assim que Carolina Ignarra, 31 anos, cadeirante desde os 22, define com naturalidade sua condição. Ela é mãe da pequena Clara, hoje com 4 anos.
“Sofri um acidente de moto em 2001 e tive uma lesão medular irreversível. Por isso fiquei paraplégica. Quando cheguei ao hospital de reabilitação, minha primeira grande dúvida era se poderia ter filhos. Sempre adorei crianças, dava aulas de natação para bebês”, diz Carolina, que se formou em educação física e hoje é consultora de inclusão.
A resposta positiva que Carolina teve de seu médico sobre a possibilidade de ser mãe vale, de forma geral, para toda mulher com lesão medular. “Ela pode manter relações sexuais, engravidar, parir e amamentar normalmente. É claro que existem particularidades, alguns cuidados especiais que devem ser tomados, mas a gravidez é natural. A lesão restringe a mobilidade, mas a mulher não está impedida de ter inclusive um parto normal”, diz Therezinha Rosane Chamlian, fisiatra da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e diretora do Lar Escola São Francisco, em São Paulo.
Carolina viveu com naturalidade essa etapa importante de sua vida, mas conta que as mães que não são cadeirantes têm curiosidade sobre a deficiência. “Sempre digo que é mais difícil ser mãe do que ser mãe cadeirante. As dificuldades que encontramos na maternidade são o entrosamento com o marido, ter certeza do que está certo ou errado e os valores que vamos deixar para os nossos filhos. Minhas dificuldades são as mesmas que as de outras mães.”
Particularidades: Depois de uma lesão medular, segundo Therezinha, a mulher passa por uma fase de choque medular, que pode durar dias, semanas e até meses. Neste período, ela sofre com a ausência de menstruação, causada pelas alterações hormonais consequentes da lesão medular. “Passada essa fase, a mulher volta a menstruar, o ciclo se normaliza e ela está apta a engravidar”, afirma a fisiatra.
À medida que a gravidez evolui, a barriga cresce, o peso aumenta e a mulher cadeirante tem uma redução ainda maior na mobilidade. “Ela terá os sintomas comuns da gravidez, como cansaço, inchaço, e, além de fazer seu pré-natal com um obstetra, recomenda-se que a mãe cadeirante seja acompanhada por um fisiatra.”
O fisiatra, trabalhando em parceria com o obstetra, vai ajudar a resolver problemas mais comuns em mulheres cadeirantes, como rigidez nas pernas, aumento do risco de feridas na pele, risco de trombose e infecções urinárias.
Realização : Carolina se diz tão especial quanto qualquer outra mãe, mas, por muitas vezes teve que enfrentar desafios diferentes. “Quando eu e meu marido decidimos ter um filho, conversamos com meus pais e pedimos para ficar o primeiro ano da criança na casa deles. Não sabia como seria cuidar do bebê. Tinha medo”, conta.
Os pais de Carolina apoiaram a ideia, e aí começou o aprendizado. Quando Clara completou 1 ano, e já andava, Carol e o marido se mudaram para a própria casa. “No começo, o banho foi muito difícil, mas fizemos com que esse momento fosse da Clara com meu marido.”
Cleide Souza, 49 anos, foi mãe solteira e teve que enfrentar sozinha alguns momentos difíceis na criação do filho. Ela era jogadora de basquete na adolescência e, ao trincar a coluna, aos 17 anos, teve uma lesão medular que paralisou suas pernas. “Sempre quis ter um filho, foi meu grande sonho, e minha deficiência não me impediu. Hoje meu filho está com 16 anos”, diz.
A gravidez, segundo Cleide, não teve problemas. "Minha primeira grande dificuldade foi quando meu filho começou a andar. Ele saía correndo e eu não conseguia segui-lo. Mas Deus vai mostrando os caminhos.”
Cleide aprendeu a controlar o filho com muita conversa e “olho no olho”, mesmo quando Waltinho tinha apenas 2 anos. E a criança se adaptou.
Clara também se adaptou e lida com naturalidade com a deficiência da mãe, Carolina. “Na primeira festa da escola a que fui, tive receio de como seria recebida. Mas Clara trata minha deficiência com muita naturalidade, admira, conta para os amigos que a mãe anda em uma cadeira de rodas, então foi mais fácil. Ela é uma criança madura e me iguala na sociedade. As crianças não enxergam a diferença como algo ruim.”
Sentido da vida: Ser mãe é uma realização de muitas mulheres. E para Carolina, com ou sem deficiência, a conquista é igual. “É um amor incondicional. Eu vivo uma deficiência e a aceitação inicial é sempre difícil, mas minha vida ganhou muito mais sentido com a chegada da Clara. Se passou pela minha cabeça não ser feliz por causa da cadeira de rodas, isso não passa mais. Ela fortalece meu gosto pela vida”, afirma.
“Sem dúvida, meu filho foi uma grande força para mim. Nesses anos todos, quando vinha o desânimo, a vontade de parar, eu sabia que ele dependia de mim, e por isso eu tinha que ter coragem. De repente você não sente mais dor, não sente vontade de desistir. Ele é a razão da minha luta”, diz Cleide.
Nenhum comentário:
Postar um comentário